Este
breve ensaio sobre o projeto de lei 4330/2004 de autoria do deputado Sandro
Mabel, que regulamenta a terceirização no País, a priori deixa de lado (mas não
esquecidas) as questões políticas que motivaram ao presidente da Câmara Federal
deputado Eduardo Cunha do PMDB a colocá-lo em pauta 11 anos depois do mesmo ter
sido apresentado naquela casa legislativa. Antes porém é de bom alvitre tecer
alguns comentários sobre as complicações e prejuízos que está lei (caso venha a
entrar em vigência) causará aos trabalhadores brasileiros, e em especial a
administração pública. Assim, para melhor compreensão, cabe-nos
definir o que seria terceirização. Para esse fim recorre-se a definição
clássica do dicionário virtual de sinônimos e traduções de palavras para quem
terceirização no campo administrativo e econômico
“... é a forma de organização estrutural que permite a uma
empresa transferir a outra suas atividades-meio, proporcionando
maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura
operacional, diminuindo os custos, economizando recursos e desburocratizando a
administração...”
Desse modo, conforme
depreende-se da leitura conceitual acima, tem-se a noção da amplitude dos
efeitos maléficos deste mecanismo para os trabalhadores, uma vez que a
mencionada redução estrutural e diminuição de custos ali mencionadas certamente
acontecerá apenas por meio do corte de pessoal e salários, o que na prática
significa que através da terceirização, uma multinacional por exemplo que tenha
alto padrão remuneratório em seu quadro de pessoal, poderá subcontratar trabalhadores
de uma empresa com padrão salarial bem inferior do que seria se fossem
contratados diretamente. Além disto a multinacional do exemplo acima mencionado
ficará isenta dos encargos sociais e trabalhistas já que estes serão de responsabilidade
da empresa contratada, que em função dos baixos salários pagos aos seus
trabalhadores, recolherá menos encargos. Tal situação certamente tornará
possível que contratante e contratada otimizarem seus custos e consequentemente
ampliem sua margem de lucros, enquanto os trabalhadores passarão do emprego ao
subemprego ficando desta forma com seus direitos limitados a nova realidade que
se lhes apresentam.
Outra agravante do
projeto 4330/2004 diz respeito aos tipos de atividades que poderão ser
contratados de forma precária, posto que atualmente o TST - Tribunal Superior
do Trabalho, embora entendendo ser a contratação indireta ilegal, por meio da
súmula 331 regulamenta-a e permite-a apenas para as atividades meios, ou seja,
aquelas atividades que não são a principal da empresa contratante, já a
vigência do projeto em comento haverá a ampliação a esta forma precária de
contratação de mão de obras para as atividades fins, assim designadas como
aquelas que são a principal atividade da empresa contratante, podendo inclusive
estender-se para a administração pública como se denota da leitura de seu
artigo 12.
Art. 12. Nos contratos de prestação de
serviços a terceiros em que a contratante for a Administração Pública, a responsabilidade pelos encargos
trabalhistas é regulada pelo art. 71 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Neste aspecto
torna-se cristalina a ofensa ao comando constitucional emanado do art. 37,
inciso II que tem sido o pilar base da moralidade e probidade para o serviço
público, posto que preconiza acerca dos certames públicos.
Art.
37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II
- a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Percebam que serão graves
e irreparáveis os prejuízos para a administração pública que mesmo sob a égide
do comando constitucional retro mencionado, padece com toda sorte de
apadrinhamentos, oriundos das nomeações para cargos de provimento em comissão e
contratações temporárias, que vastamente usadas como moeda de troca, para barganhar
apoio político aos gestores em todas as esferas de governos e Poderes
Republicanos, seja no executivo, no legislativo ou no judiciário. E para
aumentar ainda mais este leque os políticos de todo País poderão contar com
mais esta opção que facilitara de forma significativa as indicações de pessoas
incompetentes e descompromissadas com o serviço público apenas porque é amigo
ou parente de alguém importante.
Diante disto a
sociedade na atualmente possui a convicção de que os serviços públicos não
funcionam e que servidores públicos não trabalham, imaginem caros leitores com
a leva de possibilidades que este malfadado projeto de lei oferece através
destas terceirizações, por meio de empresas que em muitos casos pertencem a
parasitas que as colocam em nomes de “laranjas” apenas para representar seus interesses
escusos e estão entranhados no cerne do poder público apenas para garantir seus
quinhões as custas do suor do povo brasileiro. Com efeito, aquilo que para o
setor privado é sinônimo de lucro, para o serviço público certamente se
reverterá em prejuízos não apenas financeiros, em relação aos tributos pagos
pelos contribuintes, pois tal ferramenta servirá para aumentar ainda mais as
formas de desvio de verbas e atender aos interesses políticos e econômicos de
gestores públicos e empresários inescrupulosos, refletindo principalmente na má
qualidade do atendimento e dos serviços prestados prejudicando de forma
inequívoca toda a sociedade brasileira.
Quanto aos trabalhadores
deste setor os prejuízos também serão incomensuráveis uma vez diante da
possibilidade de terceirizar-se todas as atividades no setor público, o inciso
II do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 se tornará letra morta, já que
os gestores poderão optar pela forma mais lucrativa seja política ou
financeiramente falando, qual seja usar a terceirização para indicações de seus
correligionários nas mais variadas funções na administração pública, e deste
modo, aqueles que forem contratados/indicados pela via precária terão enormes e
intransponíveis barreiras em relação aos seus direitos.
Apenas para uma vaga
noção do que ora afirma-se, analisemos a leitura do projeto de lei 4330 ao
disciplinar em seu artigo 9º que a contratante “...PODE estender ao trabalhador da empresa de
prestação de serviços a terceiros benefícios oferecidos aos seus empregados,
tais como atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus
empregados, existentes nas dependências da contratante ou local por ela designado...”. Percebam que trata-se de uma redação
aparentemente benéfica aos trabalhadores, não fosse uma simples palavra, PODE, da qual somos conhecedores não se
trata de uma imposição mais uma opção que o contratante pode ou não fazê-lo, é
sabido também, que mesmo os comandos normativos que DETERMINAM, pouco ou nada são observados por contratantes e
contratados em geral, assim ao usar o verbo pode o legislador afirma explicitamente
que o contratante o cumprirá se assim o desejar. Então se ele (contratante) tivesse
que estender os benefícios de seu quadro de pessoal aos terceirizados,
certamente optaria por contratar diretamente pessoal qualificado de acordo com
o padrão de sua empresa e no caso da administração pública a opção lógica seria
o certame público.
Em que pese ao não
cumprimento das obrigações trabalhistas para com os trabalhadores e os encargos
sociais, em relação a iniciativa privada, a lei determina que a empresa
contratante responderá subsidiariamente com a contratada, ou seja, caso a
contratada não pague suas dívidas oriundas daquele contrato, a empresa que
contratou ficará obrigada a fazê-lo. Já em relação ao setor público, tudo leva
ao entendimento de que se isto vier a ocorrer o trabalhador ficará no prejuízo,
uma vez que o artigo 12 do projeto em analise determina que nos contratos com a
administração pública a responsabilidade pelos encargos trabalhistas reger-se-á
pelo art. 71 da lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993, senão vejamos:
Art. 12. Nos contratos de prestação de
serviços a terceiros em que a contratante for a Administração Pública, a responsabilidade pelos encargos
trabalhistas é regulada pelo art. 71 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Percebam que nos contratos
em que for contratante a administração pública a responsabilidade pelos
encargos trabalhistas serão regidos pelas disposições do artigo 71 da Lei 8.666
de julho de 1993, que regula o art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, e
trata das licitações e contratos da Administração Pública. Este comando
normativo em seus parágrafos 1º e 2º, impõem que “...não serão transferidas à administração pública a responsabilidade
pelo inadimplemento dos contratos em relação aos encargos trabalhistas, fiscais
ou comerciais, tão pouco poderá este inadimplemento onerar o objeto do
contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações,
inclusive perante o Registro de Imóveis...” ficando está com a responsabilidade solidária,
apenas em relação aos encargos previdenciários.
Art. 71 O
contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais
e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência
do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e
comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento,
nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso
das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
§ 2º A
Administração Pública responde solidariamente com o
contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do
contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Diante dos fatos
narrado acima, é fácil perceber que este projeto de lei trata-se a priori de
caráter extremamente prejudicial a classe trabalhadora brasileira e caso seja concretizado,
estaremos fadados a voltar ao período do coronelismo brasileiro, e mais, está
lei além de desrespeitar frontalmente preceitos constitucionais, fere
mortalmente a Consolidação das Leis do Trabalho que consolidou toda legislação
trabalhistas brasileiras e é tida até hoje como uma das maiores conquistas dos
trabalhadores brasileiros, servindo de embasamento para diversos comandos
normativos infraconstitucionais em vigência em nosso ordenamento jurídico. Estaremos
assim, 72 anos depois desta conquista que obtida durante o governo de Getúlio
Vargas em 1943, retroagindo a condições de trabalho piores do enfrentamos nos períodos
mais conturbados da história política brasileira.
Concluo o presente
ensaio convicto de que o senhor presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha, colocou
em pauta este projeto com dois objetivos principais, em primeiro lugar foi
defender os interesses dos empresários que financiaram e financiam sua campanha
e de seus correligionários políticos e em segundo para medir forças com o
Palácio do Planalto, isto porque caso a presidente Dilma Rousseff venha a veta-lo,
terá contra si além de vários parlamentares das duas casas legislativas (Câmara
e Senado Federal), todo seguimento empresarial brasileiros, por sua vez se
sanciona-lo estará contrariando as bandeiras de seu partido e os interesses dos
trabalhadores brasileiros, que levaram o PT ao governo 14 anos atrás, e mais,
dando, subsídios para que os próprios parlamentares que aprovaram a lei ora
analisada saiam as ruas com o discurso de que o governo que se diz representar os
trabalhadores aprovou uma lei que contraria todos este princípios.