segunda-feira, 24 de julho de 2017

REFORMA DA PREVIDÊNCIA: O MITO SOBRE O DEFICIT PREVIDENCIÁRIO

Os defensores da Reforma Previdenciária, além dos parlamentares que defendem o governo denunciado por corrupção, em sua grande maioria são desinformados ou empresários caloteiros que devem milhões de reais a previdência, referente a suas empresas, defendem que a previdência é deficitária e jogam a responsabilidade desse “déficit” no trabalhador brasileiro.
Justificam tal defesa argumentando falaciosamente que a previdência teria que ser autossustentável, ou seja, se bancar apenas com as contribuições dos trabalhadores e empregadores, sem a necessidade de outras fontes de receitas. Contudo, neste ponto discordo totalmente, uma vez que as outras fontes, servem não apenas para custear os benefícios previdenciários diversos das aposentadorias, com é o caso das licenças médicas, maternidade e paternidade dentre outros benefícios de natureza assistencial e não trabalhista.
Serve também - de forma criminosa é claro - bancar as aposentadorias fraudulentas, no meio urbano e rural, a corrupção e os desvios como os da advogada Jorgina de Freitas, ex-procuradora previdenciária, que organizou um esquema de desvios de verbas das aposentadorias, cujo valor inicial que era de R$ 550.000.000,00 (quinhentos e cinquenta milhões de reais) - mais de 50% de toda a arrecadação do INSS à época - para aproximadamente R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), segundo a Advocacia Geral da União.
Se presta ainda para bancar aposentadorias milionárias, a exemplo do próprio presidente Michel Temer, que recebe mensalmente uma aposentadoria de R$ 22.109,94 líquidos pelo cargo de procurador do Estado - função que ocupou por um ano (1983-1984) durante a gestão Franco Montoro (PSDB, enquanto os trabalhadores comuns que são a grande maioria dos brasileiros, têm que contribuir pelo menos 35 anos para ter direito a aposentadoria equivalente aos seus salários da ativa.
É certo que licenças maternidade e paternidade, além de afastamentos para tratamento de saúde, são questões de seguridade social. Assim, sendo devem ser custeados por outras verbas, que não as contribuições previdenciárias, devendo estas - em minha -opinião se prestar especificamente para as aposentadorias dos trabalhadores. E nesta hipótese, não havendo fraudes, roubos, desvios de toda espécie certamente as contribuições dos empregados e empregadores são suficientes para custear suas aposentadorias.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a expectativa de vida dos brasileiros nascidos em 2015 passou a ser de 75,5 anos. Considerando estes dados e quatro faixas salariais, a partir do salário mínimo, desenvolvi a tabela abaixo que demonstra claramente, que se uma pessoa ingressar no mercado formal de trabalho, com 20 (vinte anos) de idade e assim permanecer até os 65 anos, ao final desse tempo terá contribuído 45 anos para a previdência.
A soma destas contribuições - trabalhador e empregador, atualizadas como determina a lei, serão o suficiente para pagar seus proventos de aposentadoria em valor equivalente ao que ganhava quando na atividade, a partir dos 65 anos de idade até mais de 77 anos de idade, ou seja, mais de 2 anos acima da expectativa de vida do IBGE. Acrescente-se a isso o fato de que no geral, esta expectativa de vida raramente é alcançada por um trabalhador de baixo poder aquisitivo, cuja qualidade de vida reduz significativamente esta expectava.

domingo, 16 de julho de 2017

ANÁLISE JURÍDICA DA MEDIDA DE CONDUÇÃO COERCITIVA DO INVESTIGADO VERSUS O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE

O presente Artigo Científico foi apresentado em julho de 2017, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade Cearense - FAC. Elaborado sob a orientação da professora Mariana Vieira Lima Araújo e Coo-Orientação do professor José Júlio da Ponte Neto. Acadêmico: Francisco Eudasio Cosme de Menezes[1]

[1] Bacharelando em Direito pela Faculdade Cearense - FaC.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 ESTUDO DA LEGALIDADE DO MANDADO DE CONDUÇÃO COERCITIVA; 2.1 ESTUDO DO MANDADO DE CONDUÇÃO COERCITIVA A LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 2.1.1 Conceito de mandado de condução coercitiva; 2.1.2 Da natureza jurídica do mandado de condução coercitiva; 2.1.3 Da competência para a expedição do mandado de condução coercitiva; 2.1.4 Condução coercitiva e o princípio do Nemo tenetur se detegere; 2.1.5 Possibilidade da prática da condução coercitiva; 2.2 ANÁLISE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO EX-PRESIDENTE LUIS INÁCIO LULA DA SILVA; 3 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS;
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise jurídica da medida de condução coercitiva do investigado em confronto com o princípio nemo tenetur se detegere. Considerando que este instrumento jurídico que pode ser acionado por meio de atos de investigação da Polícia Federal, por membros do Ministério Público e por ordem judicial. E mesmo sem prévia intimação prévia, esses representantes da Lei e da Ordem estatal, de forma recorrente, fazem uso desse instituto processual, para realizar oitivas e incrementar o contexto probatório de processos criminais. Sendo o Brasil signatário do Pacto de São José da Costa Rica, norma alienígena que assegura que ninguém é obrigado a constituir provas contra si, ou seja, de promover ou contribuir para a sua autoincriminação, e tendo a condução coercitiva por escopo fazer com que o investigado preste informações consideradas indispensáveis para o desenvolvimento das investigações de modo a fazer com se chegue a verdade real dos fatos com a apuração da materialidade e autoria do crime, denota-se aparentemente neste tipo de autorização legal para a realização da condução coercitiva como uma atentatória contra a norma internacional recepcionada pela Constituição Federal de 1988 no rol dos direitos e garantias fundamentais. Deste modo, a constitucionalidade da condução coercitiva merece ser analisada a luz do constitucionalismo para haver o reconhecimento de sua legalidade em benefício da coletividade ou suas possíveis ilegalidades em detrimento da figura do réu.
Palavras-chave: Condução coercitiva. Liberdade. Violação de direitos.
 1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, é oportuno esclarecer que o presente artigo acadêmico se exime de quaisquer fins políticos, visto que seu objetivo limita-se a fazer questionamentos sobre o tema ‘condução coercitiva versus o princípio nemo tenetur se detegere’, de modo a incentivar reflexões e disseminar o conhecimento jurídico sobre o tema no âmbito do processo penal. Deste modo, tendo o ordenamento jurídico brasileiro por finalidade impor modelos de organização de condutas bem aceitas pela sociedade, compete ao império da lei estatal gerar os efeitos na vida de todos os cidadãos, independente de serem representantes do Estado ou pessoas comuns do povo.
Assim, deve a legislação vigente ser observada e respeitada indistintamente, posto que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro assevera que ninguém poderá se escusar de cumprir a lei alegando seu desconhecimento. Sabe-se também que as práticas criminosas causam prejuízos e disseminam o temor no seio coletivo, razão pela qual, a legislação penal é vasta no que concerne a descrição dos tipos penais, devendo ser aplicada em conformidade o Código de Processo Penal e os Princípios Constitucionais gerais e específicos, assim como as regras processuais pertinentes a matéria.
É preciso destacar que o direito penal poderá frustrar o homem de exercer um dos direitos mais importantes previstos no ordenamento pátrio que é a liberdade de locomoção, deste modo, sendo a liberdade um bem tão valorado, para sua tutela a Carta Magna dispõe de remédio constitucional próprio, qual seja, o habeas corpus. Assim sendo, a liberdade humana somente poderá ser tolhida quando não houver possibilidade de conter os instintos de malícia e de violência inerente ao réu, que este por meios escusos, demonstre interesse de atrapalhar a investigação criminal ou ainda, no decurso normal do processo, proponha-se a ameaçar testemunhas, ou empreender fuga de modo a frustrar o jus puniendi estatal etc.
Por seu turno, o monopólio estatal do direito de punir deve ser aplicado em conformidade com a legislação vigente, sob pena de tornar tal ato passível de anulação, situação que poderá atrasar sobremaneira a marcha processual prejudicando a celeridade ambicionada pela Constituição Federal de 1988. Diante desse contexto ressaí alguns questionamentos sobre a legalidade do mandado de condução coercitiva, uma vez que sua utilização tem sido cada vez mais recorrente nas operações desenvolvidas pela Polícia Federal para descobrir a materialidade e a autoria de crimes de corrupção que impendem o progresso do país.
Nesse passo, o objetivo geral do presente artigo é demonstrar as peculiaridades legais inerentes ao mandado de condução coercitiva. Tendo como objetivos específicos: confrontar a condução coercitiva e o princípio do nemo tenetur se detegere; estudar o seu conceito; analisar a natureza jurídica desse mecanismo processual; determinar a competência para a sua expedição; tratar da prática desse tipo de condução; e, por fim, analisar a condução coercitiva em face do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para alcançar os objetivos pretendidos, adotar-se-á como metodologia, pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais, por meio da leitura de doutrinas, artigos acadêmicos, legislações, além do acesso de palestras on line sobre o tema, de modo a subsidiar a presente pesquisa, em seu bojo tem-se a citação de ensinamentos de doutrinadores renomados na seara penal pátria como: Renato Brasileiro, Guilherme de Souza Nucci, e José Afonso da Silva.
2 ESTUDO DA LEGALIDADE DO MANDADO DE CONDUÇÃO COERCITIVA
2.1 Estudo do mandado de condução coercitiva a luz dos princípios constitucionais
O vocábulo princípio conduz a ideia de causa primária, por isso, as cátedras jurídicas se impõem como elementos predominantes na interpretação legislativa, na qual os princípios desempenham a relevante missão de conformar a lei ao caso concreto. Na obra ‘Curso de Direito Constitucional’ de autoria de José Afonso da Silva (2010, p. 85) pode ser observada na descrição que os princípios jurídicos: “servem de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo”.
Por seu, turno, no âmbito do processo penal existem princípios próprios que, por vezes, suplantam o conteúdo legal. Assim, a título ilustrativo podemos destacar que a Constituição Federal, hierarquicamente superior as demais normas do ordenamento jurídico pátrio, abriga em seu bojo o princípio da dignidade da pessoa humana considerado como cátedra basilar do Estado Democrático de Direito em que se vive.
E ainda, que os princípios constitucionais compõem um sistema próprio dotado de lógica e autorregulamentação, por sua vez existem também os princípios processuais, que devem ser interpretados à luz da Constituição Federal de 1988. Razão pela qual, é preciso haver a integração entre os princípios constitucionais e processuais. Em se tratando do direito processual penal, ganham relevância princípios como: a dignidade humana, a presunção de inocência, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, dentre outros.
De se esclarecer ainda que as sanções decorrentes do processo penal devem ser aplicadas em conformidade com a gravidade do ilícito cometido e com estrita observância a legalidade e a dignidade do réu. E é, exatamente a legalidade garante ao réu que sua possível punição será o resultado do enfrentamento do devido processo legal com a oportunidade para o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Nesse diapasão, o princípio da presunção de inocência garante que ninguém será considerado culpado em momento anterior ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Isso significa que o Estado Juiz deverá confirmar a culpa do réu e, caso não haja ordem judicial devidamente fundamentada, o réu deverá responder ao processo em liberdade. Coadunando com esse entendimento, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Alagoas preleciona que: “a prisão antes de uma condenação definitiva não representa ofensa ao princípio da presunção de inocência. Prisão cautelar devidamente fundamentada na necessidade de garantir a ordem pública, demonstrada a gravidade concreta do ilícito imputado ao ora paciente”. (HC 800605-57.2015.8.02.0000 – TJAL).
Deste modo, o princípio da presunção inocência tem por primazia a proteção da figura do réu sem, contudo, afastar a incidência da constitucionalidade das medidas cautelares, incluindo em seu rol a prisão. O que não é aceitável é que o réu sofra em cárcere os efeitos antecipatórios de uma eventual condenação a prisão. Por seu turno o princípio do nemo tenetur se detegere se impõem como uma espécie de imunidade a autoacusação, pois ninguém é obrigado a produzir provas contra si. Conforme se afere nas lições de Nucci (2014, p. 25) tratado da forma a seguir delineada:
Trata-se de decorrência natural da conjugação dos princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5.º, LVII) e ampla defesa (art. 5.º, LV) com o direito humano fundamental que permite ao réu manter-se calado (art. 5.º, LXIII). Se o indivíduo é inocente, até que seja provada sua culpa, possuindo o direito de produzir amplamente prova em seu favor, bem como se pode permanecer em silêncio sem qualquer tipo de prejuízo à sua situação processual, é mais do que óbvio não estar obrigado, em hipótese alguma, a produzir prova contra si mesmo. O Estado é a parte mais forte na persecução penal, possuindo agentes e instrumentos aptos a buscar e descobrir provas contra o agente da infração penal, prescindindo, pois, de sua colaboração. Seria a admissão de falência de seu aparato e fraqueza de suas autoridades se dependesse do suspeito para colher elementos suficiente a sustentar a ação penal.
A ampla defesa e o contraditório são direitos a ser exercido exclusivamente pelo réu, uma vez que a apresentação da defesa traz equilíbrio e a paridade de atuação (acusação versus defesa) ao processo. Contudo, o berço da ação penal é o inquérito policial que tem por finalidade maior a busca da verdade real no que toca a descoberta da autoria e da materialidade dos crimes. Desse modo, a fase inquisitorial deve estrita observância ao que determina a legalidade. Do contrário, o que se tem são práticas abusivas ou ilegais que, a depender da gravidade, poderá ensejar a nulidade dos atos praticados prejudicando o andamento das investigações ou da fase processual. Esse debate é um terreno fértil para análise da legalidade do uso recorrente de mandados de condução coercitiva para que os investigados sejam levados para prestar informações, tendo que enfrentar o constrangimento do cerceamento ainda que breve de sua liberdade de locomoção.
Não se pode negar, contudo, que a segurança, trata-se de direito coletivo, e portanto, se sobrepõe aos interesses individuais. Assim, a segurança pública, é um direito de todos os cidadãos e deve ser provida pelo Estado, por essa razão, as investigações realizadas pela polícia usufruem de autorização constitucional nos termos ditados pelo § 4º do artigo 144. Observe-se:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto às militares
Nesse contexto, sabendo-se que o mandado de condução coercitiva tem por escopo levar o indivíduo investigado para a prestação de depoimento ou esclarecimentos relativos a uma investigação oficial, não há como fugir a alguns questionamentos: ‘conduzir coercitivamente uma pessoa para prestar informações em uma investigação é fazê-la produzir prova contra si (nemo tenetur se detegere)?’; ‘qual o conceito de mandado de condução coercitiva?’; ‘qual a sua natureza jurídica?’; e ‘a quem pertence à competência para expedi-lo?’. Os tópicos a seguir são dedicados a discorrer sobre os questionamentos anteriormente esposados.
2.1.1 Condução Coercitiva e o Princípio do Nemo Tenetur se Detegere
Hodiernamente, a expedição de mandados de condução coercitiva tem se tornado muito comum em operações realizadas pela Polícia Federal. Esse instrumento também pode ser manjado pelo Ministério Público e por ordem judicial, que determinam que o indivíduo seja conduzido coercitivamente, em detrimento de previsões na legislação alienígena, recepcionada por nossa Carta Magna de 1988, a exemplo do Pacto de San José da Costa Rica, ao asseverar que implicando em autoincriminação, ninguém será obrigado a prestar as informações ambicionadas pelos responsáveis por uma determinada investigação. De forma que a exigência de informações das autoridades contra o acusado se enquadra na vedação do princípio do nemo tenetur se detegere, isto é, uma ofensiva contra o direito do investigado em não produzir provas contra si. Note-se também que a previsão legal autorizadora à expedição de mandado de condução coercitiva do investigado está disposta na redação do artigo 6º e artigo 260 do Código de Processo Penal:
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
[...]
IV - Ouvir o ofendido;
V - Ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;
[...]
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não se possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que lhe for aplicável.

Importante destacar que no conteúdo do mandado deverá constar a identificação do magistrado competente, o nome e o endereço do individuo a ser ouvido, bem como o local, data e horário que este deverá comparecer. O primeiro problema a ser enfrentado diz respeito a recepção dessa norma pela Constituição Federal de 1988. Não se pode olvidar que a norma processual penal passou a vigorar no ano de 1942. Essa informação é importante, pois atualmente, as normas ordinárias devem ser lidas e interpretadas à luz do que determina as normas constitucionais. Essa tendência interpretativa deriva dos movimentos jurídicos modernos chamados de constitucionalismo e de neoconstitucionalismo. Explicando o constitucionalismo, Ferreira Filho (2012, p. 33) dita que: “Esse visa a estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer, governos moderados, limitados em seus poderes, submetidos a Constituições escritas”.
Aproveitando o tirocínio esboçado, é oportuno dizer que o Brasil, há quase 3 (três) décadas, superou um regime ditatorial para alçar o ser humano ao centro do ordenamento jurídico a partir da consagração do princípio da dignidade da pessoa humana. Desde então, ao homem foram asseguradas prerrogativas constitucionais que devem ser respeitadas mesmo que o indivíduo seja investigado ou réu. A criminalidade, embora seja legalmente reprovada, não é motivação legítima para afastar o manto protetivo da dignidade que envolve os cidadãos brasileiros. Nesse contexto, deve ser dito que a Constituição Federal de 1988 fez uma exitosa travessia de um país totalitarista para uma nação essencialmente democrática, cujos direitos fundamentais passaram a ser inafastáveis, inalienáveis e inseparáveis da figura humana. Sobre a matéria Peña de Moraes (2013, p. 529 - 530) esclarece que:
Os direitos fundamentais são conceituados como direitos subjetivos, assentes no direito objetivo, positivados no texto constitucional, ou não, com aplicação nas relações das pessoas com o Estado ou na sociedade. Primeiramente, os direitos fundamentais são, a um tempo só, categoria especial de direitos subjetivos e elementos constitutivos do direito objetivo. Na perspectiva subjetiva, os direitos fundamentais conferem aos titulares a pretensão a que se adote um determinado comportamento, positivo ou negativo, em respeito à dignidade da pessoa humana. Na perspectiva objetiva, os direitos fundamentais compõem a base da ordem jurídica, sendo certa que a afirmação e asseguramento dos direitos fundamentais é condição de legitimação do Estado de Direito, razão pela qual “neles unem-se, em relação de complemento e fortalecimento recíproco, várias camadas de sentido. Ao significado dos direitos fundamentais como direitos subjetivos básicos do homem corresponde o seu significado como elementos do direito objetivo da comunidade humana, distintamente acentuados.

A Constituição Federal de 1988 é dotada de caráter libertário, democrático e analítico com a finalidade de proteger os direitos e garantias fundamentais inerentes aos cidadãos. No presente, o contexto constitucional analítico determina que nenhuma interpretação ordinária escape as suas disposições, uma vez que a leitura moral do direito exige a prévia averiguação de suas finalidades em consonância com a Magna Carta. No que diz respeito à força interpretativa a luz da Carta Política de 1988, Queiroz (1990, p. 47) assevera que:
A Constituição, enquanto norma fundamental que verdadeiramente ‘funda’ e ‘constitui’ a totalidade do corpo político, que ordena e conforma a totalidade da relação de vida constitucional, impondo-lhe uma determinada práxis e um determinado método de conceber. A constituição ‘integra’ e ‘refere’ detentores e destinatários do poder numa unidade fática e normativa que se lhes impor, irresistivelmente, como algo de superior.
A aplicação das leis deve ser feita com parcimônia e ética, pois não se deve aceitar violações ao que determina as normas de hierarquia superior do ordenamento pátrio, a saber, a Constituição Federal, posto que, de forma contrária, tem-se a temeridade de que um instrumento processual, como o mandado de condução coercitiva, utilizado de forma errônea ou abusiva possa prejudicar o cidadão tornando vulnerável seu direito liquido e certo a liberdade e a segurança processual. Somando-se a esta assertiva, o argumento de Mendes (2012, p. 999): explicando que “Ao Poder Judiciário incumbe exercer o último controle da atividade estatal”. Explicação esta que coaduna-se com o entendimento, Tavares (2012, p. 1206) oportunamente esclarecendo as funções do Poder Judiciário:
A função típica do Poder Judiciário é aquela para a qual foi concebido e estruturado. Nisso, mister se faz remontar à origem do próprio Direito. Como acentuava o Ministro MARIO GUIMARÃES: “A função de julgar é tão antiga como a própria sociedade. Em todo aglomerado humano, por primitivo que seja, o choque de paixões e de interesses provoca desavenças que hão de ser dirimidas por alguém.
Como sobredito, as normas constitucionais abrigam uma abastada gama de direitos que não devem ser violados, sob pena de retirar do ser humano o fundamento maior deste Estado Democrático de Direito, a saber, o acesso à justiça, que nas palavras entoadas pelo Ministro pertencente aos quadros do Superior Tribunal Federal, Luiz Fux[2], em seu discurso em comemoração aos 25 (vinte e cinco) anos de vigência da Magna Carta, no ano de 2013, foi explicado o conceito de justiça: “Justiça não é aquilo que se aprende, é aquilo que se sente”. Dessa maneira, não é possível que o magistrado, mesmo que com o objetivo de esclarecer a autoria e a materialidade de crimes, determine a expedição de mandados de condução coercitiva sem considerar as disposições constitucionais anteriormente apontadas, com destaque para a violação constitucional de que o indivíduo não é obrigado a produzir provas contra si.
Depois de esclarecida a importância de ler as normas ordinárias considerando as normas constitucionais, deve ser dito que embora a norma processual penal vigente desde meados da década de 40 (quarenta) determine a condução coercitiva, sua interpretação não escapa a Constituição Federal de 1988, que no artigo 5º em seu inciso LXIII, determina que: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Assim é garantindo, em norma pátria pertinente a categoria dos direitos fundamentais, a possibilidade de o indiciado não produzir provas contra si por meio da manifestação do silêncio omitindo-se de confessar-se culpado.
Considerando a interpretação do CPP, a luz da Constituição, é notório que o investigado não deve sofrer condução coercitiva para participar de interrogatório, pois a finalidade desse ato é, conseguir uma confissão, situação que viola o direito ao silêncio. No mais além de contraditório, seria dispendioso para o Estado designar todo um aparato pessoal e estrutural, para receber alguém que, limitar-se-ia a permanecer em silêncio ante a autoridade que pretendia ouvir seu depoimento e dele extrair algo elucidativo, para a investigação.
O investigado poderá ser conduzido para a prática de qualquer ato não protegido pelo direito de não produzir a autoincriminação, bem como também poderá ser conduzido coercitivamente para realizar um reconhecimento pessoal, uma vez que esta possibilidade é possível pois tal diligência não é protegido pelo princípio do nemo tenetur se detegere, uma vez que não exige nenhum ato ativo por parte do investigado. É ainda possível, a condução coercitiva para que o investigado em liberdade não promova a destruição de fontes de prova, ou atue no sentido de sonegar o acesso da investigação a referida fonte de provas. Essa argumentação é considerada legítima e tem sido utilizada para fundamentar as ordens judiciais dessa natureza, posto que o direito de não produzir contra si, não confunde se com a possibilidade de destruição de provas. Neste contexto, a não obrigação de produzir provas contra si, inerente ao investigado, configura-se apenas na vedação a autoincriminação que ocorre por comportamentos ativos, tais como: interrogatório, reconstituição do crime, exame pericial de dosagem alcoólica, participar de acareação etc.
2.1.2 Conceito de mandado de condução coercitiva
O objetivo do mandado de condução coercitiva é explicado pelo membro do Ministério Público e professor Renato Brasileiro (online, 2017):
Por meio desse mandado de condução coercitiva, o investigado (ou acusado) é privado de sua liberdade de locomoção pelo lapso temporal necessário para ser levado à presença da Polícia Judiciária (ou do Ministério público) e participar de ato de investigação preliminar (ou ato processual penal) no qual sua presença seja considerada imprescindível.
Diante o objetivo exposado acima, pode-se aferir que ainda que por algumas horas, o indivíduo conduzido coercitivamente, será privado de sua liberdade. Situação essa não condizente com as autorizações e previsões de privação de liberdade autorizadas pela redação constitucional e pelas normas de direito processual penal devidamente recepcionadas pela Constituição Cidadã. Nesse contexto, tem-se que o conduzido não é objeto de prisão seja na modalidade preventiva ou temporária, ou qualquer outra modalidade, porém tem sua liberdade de locomoção cerceada. E mesmo que este se oponha a prestar as informações pretendidas, enfrentará obrigatoriamente o constrangimento de ser conduzido para uma delegacia para fins de investigação ou instrução processual penal ou órgão ministerial criminal quando as investigações forem conduzidas por um promotor de justiça.
2.1.3 Da natureza jurídica do mandado de condução coercitiva
Além das prisões preventiva e temporária, a legislação criminal pátria abriga 11 (onze) modalidades de medidas cautelares alternativas a prisão que passaram a integrar o Código de Processo Penal (CPP) a partir de 2011, com a vigência da Lei nº 12.403/2011, popularmente conhecida como Lei da fiança. Observemos então o que ditam os artigos 319 e 320 da norma processual penal citada:
Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:        
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;      
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;         
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;  
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;       
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; 
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;  
IX - monitoração eletrônica. 
[...]
§ 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.
Art. 320.  A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.   
Conforme pode-se observar, o rol de medidas cautelares alternativas a prisão é bem extenso, porém em seu conteúdo não consta a condução coercitiva de natureza processual, que mesmo privando ainda que brevemente o conduzido de sua liberdade, como já visto anteriormente, tecnicamente esse procedimento não é considerado como uma prisão. E mais, embora seja constatado o silêncio ou a omissão do legislador ordinário em incluir a condução coercitiva do investigado no rol medidas cautelares alternativas a prisão, a doutrina infere ser esse instrumento processual uma medida cautelar de natureza processual. Nesse sentido o doutrinador Renato Brasileiro (2014, p. 266) explica que: “Conquanto não listada no rol das medidas cautelares diversas da prisão dos art. 319 e 320 do CPP, a condução coercitiva do investigado (ou acusado) também funciona como medida cautela de coação pessoal”. Isso significa que, esse tipo de condução é uma medida de natureza urgente que recai sob a liberdade de locomoção pessoal do conduzido/investigado.
2.1.4 Da competência para a expedição do mandado de condução coercitiva
Não há como negar a existência de restrição na liberdade de locomoção do conduzido, essa informação é importante para que seja compreendida qual a autoridade competente para expedir esse tipo de ordem judicial. Caso seja comparada com a prisão preventiva ou temporária pode ser dito que a coerção da liberdade é indiscutível, mesmo que seja somente pelo tempo necessário a prestação ou não das informações. Mesmo em condução coercitiva, o conduzido poderá fazer uso de sua garantia constitucional de permanecer em silêncio. Note-se o que dita a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LXIII, já mencionado.
Demais disso, o indiciado ou réu tem direito de ser advertido quanto ao direito de permanecer em silêncio sem que a adoção dessa postura importe em prejuízos a sua defesa nos termos explicitados pela jurisprudência do STF no julgado do habeas corpus nº 107.644/SP: “todas as pessoas devem ser informadas dos seus Direitos e Garantias Fundamentais, no momento em que é preso, detido, retido, conduzido ou levado perante qualquer autoridade judicial, policial, conforme a jurisprudência pátria tem reiteradamente decidido”. Como pode-se notar, o dispositivo constitucional apontado não constitui óbice a averiguação da materialidade e da autoria de um crime, o direito a não autoincriminação é uma decorrência do artigo 8º, inciso 2, alínea ‘g’, da Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San Jose da Costa Rica da qual o Brasil é signatário desde a vigência do Decreto Lei n. 678/1992, note-se:
Artigo 8.  Garantias judiciais
[...]
2.      Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
[...]
g.        direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; [...]
O referido dispositivo não constitui obstáculo à imputação do crime de fuga do condutor do local do acidente de trânsito, na medida em que os direitos a não autoincriminação e ao silêncio permanecem incólumes, seguindo igualmente íntegras todas as garantias processuais e penais asseguradas aos acusados em geral. O tempo de restrição de liberdade do conduzido é destinado especificamente à necessidade de produção de provas, por isso, não poderá ser superior a 24 (vinte e quatro) horas, de outra forma, assumiria injustificadamente o caráter de prisão cautelar. Foi exatamente a essa situação de brevidade de cerceamento de liberdade a que foi submetido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ser conduzido de sua casa para uma das salas do aeroporto de Congonhas em São Paulo e no inicio da manhã e liberado no período vespertino, do dia 04 de março do ano de 2016.
A competência/atribuição para a expedição de mandado de condução coercitiva segundo a redação do artigo 260 do CPP, anteriormente citada, deve ser de uma autoridade após o acusado não atender a intimação prévia para os seguintes atos: interrogatório, reconhecimento ou qualquer ato que exija sua presença.  Deste modo, o CPP, vigente desde a década de 40 (quarenta) faz referência ao termo ‘autoridade’, porém não identifica os atores que podem ser enquadrados nesse conceito. Diante da redação dúbia do artigo apontado, ou seja, da omissão em identificar quem seria essa autoridade é que emergem as controvérsias em relação à matéria.
Contudo, o artigo 352 mencionado no parágrafo único do artigo 260, ambos do CPP diz que o mandado deve conter o nome do juiz. Leia-se: “Art. 352. O mandado de citação indicará: I – o nome do juiz [...]”. Bom é chamar a atenção para o fato de que o mandado tratado no artigo 352 do CPP é de citação, e o mandado de condução coercitiva não é necessariamente para cumprir o ato de citação. Posto que, conforme a jurisprudência emanada da 1ª Turma do STF, de forma isolada, na oportunidade do julgamento do HC 107.644/SP, criou precedente ao determinar que o investigado pode ser levado a presença da autoridade policial para prestar esclarecimentos necessários a investigação. O julgado em comento foi fundamentado a luz do artigo 6º do CPP e o artigo 144, §4º da Constituição Federal:
HC 107.644/SP. EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. [...]. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. [...]. I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. [...] XII – Ordem denegada. Brasília, 6 de setembro de 2011. RICARDO LEWANDOWSKI – RELATOR.
Por seu turno a condução coercitiva narrada no habeas corpus supracitado não foi considerada causa de nulidade, e as informações prestadas foram aceitas como idôneas. Com isso a 1ª Turma do STF reconheceu que a polícia civil exerce a função investigativa e que, por isso, não existe reserva de jurisdição em relação aos incisos LXI e LXII, ambos do artigo 5º da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º [...]
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;
[...]

Como denota-se acima, a jurisprudência da 1ª Turma da Suprema Corte brasileira, ainda que de forma isolada, entendeu na oportunidade que a autoridade policial poderá conduzir coercitivamente um investigado mesmo que não haja estado de flagrância ou tenha sido expedido um mandado de prisão judicial. Nesse contexto, entende-se que embora o STF desconsidere a violação ao que dita o inciso LXI do artigo 5º da Constituição Federal, essa decisão confronta o cerceamento de liberdade do indivíduo, uma vez que a condução coercitiva restringe a liberdade estando ausentes as motivações que legitimam a prisão.
Com a devida vênia aos Ministros, o julgado apontado não aparenta ser a melhor medida de direito e de justiça, pois essa orientação não se coaduna com a liberdade de locomoção garantida também nos termos da Constituição Federal de 1988. A medida mais adequada seria a expedição de mandado judicial de condução coercitiva, pois em atenção ao que determina o artigo 352 do CPP, no conteúdo desse tipo de ordem deverá haver a identificação do juiz.  Nesse contexto, pode-se concluir que a autoridade a que faz menção o caput do artigo 260 do CPP é restrita a figura do magistrado.
Contudo, não se pode olvidar que a teoria dos poderes implícitos determina que a Constituição Federal deva outorgar as atribuições ou competências aos órgãos estatais, bem como autorizar e conferir implicitamente os poderes necessários à sua execução. Assim, sem a existência de autorização constitucional, a autoridade policial não poderá, sem ordem judicial, conduzir o investigado para a colheita de informações. Nesse contexto, é importante fazer a leitura do artigo 260 cumulada com o artigo 282, ambos do CPP, pois essa norma reforça que as medidas cautelares de coação pessoal devem ser decretadas por um juiz: “Art. 282. [...] § 2o as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”.
Desta forma, nem a autoridade policial e nem os agentes policiais detém atribuições para deter, reter, restringir a liberdade, conduzir coercitivamente, ou prender indivíduos fundados em meras suspeitas, mesmo que por tempo exíguo sem que haja estado de flagrância ou ordem judicial. Mesmo que a liberdade seja contida pautada pelo critério da brevidade, não se pode desprezar o fato de que o magistrado detém competência para analisar a pertinência da condução coercitiva de forma fundamenta na lei e no lastro probatório que compõe os elementos de seu livre convencimento sobre a concessão de tal diligência. Na opinião de Nucci (2014, p. 364) a condução coercitiva na fase do interrogatório deve ser compreendida da forma que segue citada:
É admissível, especialmente porque, o réu não tem direito ao silêncio, como regra, no tocante à sua qualificação. Por isso, o juiz pode determinar que o acusado seja levado à sua presença para ser qualificado e expressar, diretamente, o seu desejo de permanecer calado, se for o caso. Entretanto, se o acusado for conhecido e devidamente qualificado, pode optar por não comparecer, fazendo valer seu direito ao silêncio, sem a necessidade de qualquer medida coercitiva para obrigá-lo a ir a juízo.
O §1º do artigo 400 do CPP concede ao magistrado a possibilidade de negar a produção de provas que considerar irrelevantes, protelatórias ou impertinentes sem que essa postura implique em nulidade processual. Nesse ponto é pertinente rememorar que o Ministério Público pode investigar, porém não poderá ultrapassar os limites das atribuições policiais, conforme extraído do posicionamento externado no julgamento do habeas corpus nº 94.173/BA de relatoria do Ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal: “O Ministério Público tem legitimidade para conduzir investigação e proceder à colheita de elementos de convicção quanto à materialidade do delito e indícios de sua autoria, sob pena de se inviabilizar sua função precípua de promover, privativamente, a ação penal pública”.
Todavia, embora seja reconhecida a atribuição de investigação ao parquet, a este negado o poder de determinar a condução coercitiva do investigado, pois se trata de medida sujeita a cláusula de reserva de jurisdição, que por guardar semelhanças com a prisão preventiva, com a prisão temporária e com as demais medidas cautelares pessoais, somente poderá ser expedida por autoridade judiciária.
2.1.5 Possibilidade da prática da condução coercitiva
É importante destacar que para legitimação da ordem de condução coercitiva se faz necessário que o indiciado se negue a cumprir voluntariamente a intimação para realização de um ato processual. É o que se depreende das lições de Nucci (2014, p. 336) ao afirmar que condução coercitiva é autorizada na hipótese de: “Realizada a intimação e a requisição no tempo correto, o não comparecimento, sem justificativa plausível, pode implicar em condução coercitiva, com as demais consequências legais”. Corroborando com esse entendimento, a orientação jurisprudencial do STJ, expressada no julgado REsp. n. 346.677/RJ, da lavra do Ministro Fernando Gonçalves, explica que:
Se o direito de presença é um desdobramento da autodefesa, a qual é renunciável, conclui-se que o comparecimento do réu aos atos processuais, em princípio, é um direito, e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento, ato este que não está protegido pelo direito à não autoincriminação. Nem mesmo ao interrogatório estará o acusado obrigado a comparecer, até mesmo porque a Constituição Federal lhe assegura o direito ao silêncio. De todo modo, caso o acusado não compareça à audiência, a presença do defensor será sempre necessária e obrigatória, seja defensor constituído, defensor público, dativo ou nomeado para o ato.
Como visto no julgado acima, é perfeitamente possível que o réu possa se furtar ao dever moral de comparecer a audiência do julgamento de processo que tramita contra si, contudo, seu patrono jurídico deve se fazer presente sob pena de nulidade do ato em decorrência de cerceamento de defesa.
2.2 ANÁLISE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO EX-PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Mais uma vez destaque-se o caráter acadêmico deste artigo, contudo, não há como fugir ao recente episódio que motivou tantos debates a respeito do instituto processual da condução coercitiva, qual seja, o fato de um ex-chefe do Estado Maior, no caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter sido conduzido coercitivamente, conforme foi amplamente divulgado pela imprensa de todo o país, criando assim, considerável repercussão não apenas no campo político, mas principalmente na seara jurídica. Nesta hipótese, em relação ao ex-presidente Lula, não seria o caso de reconhecimento pessoal tendo em vista tratar-se de uma figura pública.
De acordo com a doutrina e a jurisprudência vista acima, pode-se aferir que na realidade, o ex-presidente, ou qualquer outro acusado ou investigado, não estaria, como não é obrigado a prestar depoimentos, por isso, iniciou-se um debate sobre a legalidade do ato de condução coercitiva a que este foi submetido, uma vez que a justificativa informada foi que se faz necessária a expedição de mandados de condução coercitiva quando há uma grande deflagração policial, afim de se preservar a possível produção de provas indispensáveis a averiguação da autoria e da materialidade do crime. Deste modo, em relação à condução coercitiva do ex-presidente Lula teve-se a expedição de mandado da lavra do Juiz Federal de primeira instância Sérgio Mouro. Sabe-se também que a condição de ex-presidente dispensa qualquer tipo de foro por prerrogativa de função, por isso, não se faz necessário a expedição desse tipo de mandado pelo STF, pois nesse caso aplica-se a regra da atualidade.
Note-se que a decisão judicial que determinou a condução coercitiva do referido líder político, foi exarada de forma errônea por flagrante violação ao que dita o artigo 260 do CPP, anteriormente mencionado, ante a inexistência de prévia negativa de comparecimento por parte do conduzido, bem como pela falta de intimação e mesmo do pedido por parte do Órgão do Ministério Público Federal para oitiva do conduzido. Razão pela qual a lei foi desrespeitada, dando margem a que o ex-presidente em comento pudesse ser considerado como uma vítima da tirania da justiça. Isso é o que resulta de Atos judiciais praticados de forma indevida, servindo apenas para conceder força e popularidade para aquele que deveria ser julgado de forma negativa pela sociedade.
Como dito anteriormente, o ex-presidente Lula da Silva é mais que uma figura política, para a população economicamente mais fragilizada ele significa um símbolo, um modelo a ser seguido. Alguém que venceu as dificuldades de vida e que, por isso, está sofrendo uma injustiça por parte dos mais fortes, vítima da opressão política. Nessas condições, a lei que deve ser o modelo de excelência a ser seguido pelos representantes do Poder Judiciário, posto que, quando por estes violada, passa a ser alvo de crítica popular. Neste aspecto é importante destacar que não se quer aqui defender a inocência ou culpabilidade de qualquer pessoa, mas tão somente criticar o erro de um magistrado que buscou a popularidade demonstrando ser um exemplo de conduta ilibada, mas que na realidade, exorbitou de suas competências para violar os ditames da lei.
É notório, que pela prática de Atos abusivos põem em dúvida a idoneidade dos processos criminais, bem como as reais intenções de seus condutores, deste modo, os atos de corrupção investigados nas ações criminais propostas em face de Luiz Inácio Lula da Silva não devem ser tratados como uma exceção, mas como uma regra que impera manchando as ideologias propagadas pelos partidos políticos brasileiros. Não há como fugir à regra de que a vivência em um Estado Democrático de Direito exige o respeito irrestrito ao império da lei e o princípio do devido processo legal, o respeito a esse ideal fomenta nos brasileiros a expectativa de dias melhores.
3 CONCLUSÃO
Como visto, a condução coercitiva é um instrumento jurídico apto a colheita de provas, porém sua utilização é condicionada ao que dita à norma penal de regência, nesse caso, especificamente, a redação exarada no artigo 260 do Código de Processo Penal. Além disso, é preciso que em momento prévio a esse tipo de condução, a pessoa a ser ouvida tenha, sem motivação legal, se negado a comparecer ao chamamento judicial feito por meio de intimação válida. Ademais, o indivíduo a ser oitivado deve ser advertido de que não é obrigado a colaborar com a investigação criminal ou formação de lastro probatório processual. Portanto, tem o direito de permanecer em silêncio sem que haja qualquer prejuízo ou imputação decorrente do seu ato.
Deste modo, caso o oitavado deseje depor para esclarecer quaisquer dos fatos alvo da investigação ou do interesse do membro do Ministério Público ou do magistrado, suas informações devem ser prestadas de forma voluntária e reduzida a termo a ser assinado por este ao final da audiência. No caso em que for realizada a condução do oitivado de forma coercitiva sem a devida negatória do comparecimento voluntário após o cumprimento do ato de intimidação válida se impõe como abuso em razão da patente violação ao que dita a lei.
Deste modo, é notório o erro procedimental em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, posto que, houve clara violação a regra do CPP. Com isso, o ato judicial que deveria ter sido de um mero interrogatório foi convertido em celeuma jurídica midiática onde o interesse coletivo cedeu espaço as vaidades de um magistrado que deseja ser popularizado como defensor da lei e da ordem e por um ex-presidente acusado de corrupção, que está disposto a usar qualquer falha legal ou judicial para deseja se vitimizar para fugir ao julgamento social decorrente de suas condutas supostamente manchadas pela ilicitude.
Para impossibilitar tais práticas é que reforça-se a ideia de que não cabe ao magistrado criar procedimentos alheios a legislação vigente, nem mesmo dar interpretação extensiva a norma penal, com o intuito de viola-la mesmo em nome do que acredita ser para fazer justiça, por isso não se poderia apoiar o erro da condução coercitiva apontada. Demais disso, não cabe ao magistrado legislar, pois a atuação do Poder Judiciário é vinculada ao plano legislativo, ou seja, ao direito posto. Isto posto, não se pode negar que tal fato dissemina a insegurança jurídica no seio social, pois se os desmandes de um magistrado de primeiro grau tem força para constranger um indivíduo presumido inocente por força do ordenamento normativo, além de sua notória popularidade, o cidadão comum não saberá como agir se for submetido as garras de membros do Poder Judiciário que se sentem justiceiros e com direito de agir acima do que ditam as leis.
Mais uma vez, é reiterado que a presente pesquisa tem caráter cientifico e se propôs a analisar uma situação jurídica sem ter o compromisso de defender qualquer indivíduo alvo de investigação criminal, a crítica justaposta se limita a violação do CPP. Devendo ainda ser dito, que em relação ao caso concreto abordado tem-se um notório erro, conforme apontado anteriormente. Portanto, seus efeitos devem ser considerados nulos de pleno direito. Por fim, resta consignar que para que se alcance a virtuosa justiça, antes das externação das vaidades se faz imperioso a observância e o cumprimento das leis.
REFERÊNCIAS
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______. Decreto Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/processopenal%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 mar. 2017.
______. Decreto Lei n. 678, de 6 de novembro de 1992. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1992/decreto-678-6-novembro-1992-449028-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 22 mar. 2017.
______.(STF). Habeas Corpus n. 94.173/BA. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2017.
______.(STF). Habeas Corpus n. 107.644/SP. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2017.
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TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.


[1] Bacharelando em Direito pela Faculdade Cearense - FaC.
[2] Palestra em comemoração aos 25 anos da Constituição Cidadã. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OTLDReya1no>. Acesso em: 01 mar. 2017.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

“PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI SÓ DAS FLORES”: FORA TEMER

Parabéns a todos os trabalhadores e trabalhadoras da Assistência Social em Maracanaú que tem a frente a secretária Glauciane Oliveira pela realização da IX Conferência Municipal de Assistência Social que está acontecendo hoje dia 12 e amanhã 13 de julho no Colégio 7 de Setembro em Pajuçara. Nela (Conferência) estão sendo a abordado vários e importantes aspectos que devem ser assegurados por meio unidade e das lutas dos trabalhadores e segmentos sociais em geral. 

Dentre os temas abordados tive a grata satisfação de acompanhar ainda que por um breve momento as explanações da Assistente Social e Professora Zelma Madeira, que é Coordenadora de Políticas Públicas da Igualdade Racial e abordou de forma brilhante o tema da conferência: Garantia de Direitos no Fortalecimento do SUAS. A Conferencista falou sobre o direito de igualdade previsto na Constituição Federal e sua eficácia para as minorias e segmentos sociais menos favorecidos da sociedade. Esclareceu com propriedade que a existência plena e efetiva do deste preceito constitucional por meio do qual todos são iguais perante a lei, somente é possível quando dosado com a equidade que possibilite a justiça pela igualdade, mas baseada no respeito aos direitos de cada um, mas de forma a assegurar as políticas públicas venham possibilitar a melhoria e ascensão das classes e segmentos menos favorecidos propiciando oportunidade igualdade a todos de forma positiva.

Esta é uma tese a qual defendo e me filio integralmente, pois é único pensamento que verdadeiramente faz jus ao sentido prático da palavra igualdade. Neste aspecto notamos também que esta visão social é totalmente o oposto do que defende o Estado burguês em relação ao mesmo princípio. Assim, enquanto a equidade representa a essência da igualdade e da justiça social, a Justiça burguesa representada neste caso pela Corte Constitucional. Ou seja, ao texto constitucional que estabelece que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, o Supremo Tribunal Federal, acrescentou NA MEDIDA DE SUAS DESIGUALDADES, o que em sínteses significa dizer que os ministros do STF com essa sentença gramatical e normativa estabeleceram que os ricos continuarão ricos e os pobres continuarão pobres, ou seja, na medida das suas desigualdades.

Os críticos das classes menos favorecidas e defensores das classes sociais de alto ou médio poder aquisitivo, irão dizer que tal posicionamento está correto, porque os ricos fizeram por merecer trabalharam, isso e aquilo outro. Senhores não é isso que está em questão, ninguém está dizendo que “quem tiver duas túnicas deve doar uma para quem não tem”. O que se está a afirmar e a reclamar é que o Estado deve propiciar políticas públicas que possibilite, melhor e igual condição de ascensão a todos de forma igualitária, é neste aspecto que deve pautar-se o equilíbrio das políticas estatais. Contudo, enquanto o País passar por esta crise ética, legal e moral onde os escolhidos como representantes da sociedade, nada representam além de seus próprios interesses e de seu segmento específico. Enquanto, a sociedade não se conscientizar do poder que tem, e que este poder deve ser usado permanentemente e não apenas quando tiverem seus interesses contrariados, nada mudará.

ÉSIO DO PT E LARISSA CAMURÇA: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

              Em relação as pré-candidaturas de Larissa Camurça e Ésio do PT, não há como não identificar grandes semelhanças políticas entr...