O presente Artigo Científico foi apresentado em
julho de 2017, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito no Curso de Direito da Faculdade Cearense - FAC. Elaborado sob a orientação
da professora Mariana Vieira Lima Araújo e Coo-Orientação do professor José
Júlio da Ponte Neto. Acadêmico: Francisco
Eudasio Cosme de Menezes
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 ESTUDO DA LEGALIDADE DO MANDADO
DE CONDUÇÃO COERCITIVA; 2.1 ESTUDO DO MANDADO DE
CONDUÇÃO COERCITIVA A LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 2.1.1 Conceito de mandado de condução coercitiva; 2.1.2 Da natureza
jurídica do mandado de condução coercitiva; 2.1.3 Da competência para a expedição
do mandado de condução coercitiva; 2.1.4 Condução coercitiva e o princípio do
Nemo tenetur se detegere; 2.1.5 Possibilidade da prática da condução coercitiva;
2.2 ANÁLISE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO EX-PRESIDENTE LUIS INÁCIO LULA DA
SILVA; 3 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS;
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo realizar uma
análise jurídica da medida de condução coercitiva do investigado em confronto
com o princípio nemo tenetur se
detegere. Considerando que este instrumento jurídico que pode ser acionado
por meio de atos de investigação da Polícia Federal, por membros do Ministério
Público e por ordem judicial. E mesmo sem prévia intimação prévia, esses
representantes da Lei e da Ordem estatal, de forma recorrente, fazem uso desse
instituto processual, para realizar oitivas e incrementar o contexto probatório
de processos criminais. Sendo o Brasil signatário do Pacto de São José da Costa
Rica, norma alienígena que assegura que ninguém é obrigado a constituir provas
contra si, ou seja, de promover ou contribuir para a sua autoincriminação, e
tendo a condução coercitiva por escopo fazer com que o investigado preste
informações consideradas indispensáveis para o desenvolvimento das
investigações de modo a fazer com se chegue a verdade real dos fatos com a
apuração da materialidade e autoria do crime, denota-se aparentemente neste
tipo de autorização legal para a realização da condução coercitiva como uma atentatória
contra a norma internacional recepcionada pela Constituição Federal de 1988 no
rol dos direitos e garantias fundamentais. Deste modo, a constitucionalidade da
condução coercitiva merece ser analisada a luz do constitucionalismo para haver
o reconhecimento de sua legalidade em benefício da coletividade ou suas
possíveis ilegalidades em detrimento da figura do réu.
Palavras-chave: Condução coercitiva. Liberdade. Violação de direitos.
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, é oportuno
esclarecer que o presente artigo acadêmico se exime de quaisquer fins políticos,
visto que seu objetivo limita-se a fazer questionamentos sobre o tema ‘condução
coercitiva versus o princípio nemo tenetur se detegere’, de modo
a incentivar reflexões e disseminar o conhecimento jurídico sobre o tema no
âmbito do processo penal. Deste modo, tendo o ordenamento jurídico brasileiro
por finalidade impor modelos de organização de condutas bem aceitas pela
sociedade, compete ao império da lei estatal gerar os efeitos na vida de todos
os cidadãos, independente de serem representantes do Estado ou pessoas comuns
do povo.
Assim, deve a legislação
vigente ser observada e respeitada indistintamente, posto que a Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro assevera que ninguém poderá se
escusar de cumprir a lei alegando seu desconhecimento. Sabe-se também que as
práticas criminosas causam prejuízos e disseminam o temor no seio coletivo,
razão pela qual, a legislação penal é vasta no que concerne a descrição dos
tipos penais, devendo ser aplicada em conformidade o Código de Processo Penal e
os Princípios Constitucionais gerais e específicos, assim como as regras
processuais pertinentes a matéria.
É preciso destacar que o
direito penal poderá frustrar o homem de exercer um dos direitos mais
importantes previstos no ordenamento pátrio que é a liberdade de locomoção,
deste modo, sendo a liberdade um bem tão valorado, para sua tutela a Carta
Magna dispõe de remédio constitucional próprio, qual seja, o habeas corpus.
Assim sendo, a liberdade humana somente poderá ser tolhida quando não houver possibilidade
de conter os instintos de malícia e de violência inerente ao réu, que este por
meios escusos, demonstre interesse de atrapalhar a investigação criminal ou
ainda, no decurso normal do processo, proponha-se a ameaçar testemunhas, ou empreender
fuga de modo a frustrar o jus puniendi estatal etc.
Por seu turno, o monopólio
estatal do direito de punir deve ser aplicado em conformidade com a legislação
vigente, sob pena de tornar tal ato passível de anulação, situação que poderá
atrasar sobremaneira a marcha processual prejudicando a celeridade ambicionada
pela Constituição Federal de 1988. Diante desse contexto ressaí alguns
questionamentos sobre a legalidade do mandado de condução coercitiva, uma vez
que sua utilização tem sido cada vez mais recorrente nas operações
desenvolvidas pela Polícia Federal para descobrir a materialidade e a autoria
de crimes de corrupção que impendem o progresso do país.
Nesse passo, o objetivo geral
do presente artigo é demonstrar as peculiaridades legais inerentes ao mandado
de condução coercitiva. Tendo como objetivos específicos: confrontar a condução
coercitiva e o princípio do nemo tenetur se detegere; estudar o seu
conceito; analisar a natureza jurídica desse mecanismo processual; determinar a
competência para a sua expedição; tratar da prática desse tipo de condução; e,
por fim, analisar a condução coercitiva em face do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Para alcançar os objetivos
pretendidos, adotar-se-á como metodologia, pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais,
por meio da leitura de doutrinas, artigos acadêmicos, legislações, além do
acesso de palestras on line sobre o tema, de modo a subsidiar a presente
pesquisa, em seu bojo tem-se a citação de ensinamentos de doutrinadores
renomados na seara penal pátria como: Renato Brasileiro, Guilherme de Souza
Nucci, e José Afonso da Silva.
2 ESTUDO DA LEGALIDADE DO
MANDADO DE CONDUÇÃO COERCITIVA
2.1 Estudo do mandado
de condução coercitiva a luz dos princípios constitucionais
O vocábulo princípio conduz a
ideia de causa primária, por isso, as cátedras jurídicas se impõem como
elementos predominantes na interpretação legislativa, na qual os princípios
desempenham a relevante missão de conformar a lei ao caso concreto. Na obra
‘Curso de Direito Constitucional’ de autoria de José Afonso da Silva (2010, p.
85) pode ser observada na descrição que os princípios jurídicos: “servem de base para a interpretação, integração,
conhecimento e aplicação do direito positivo”.
Por seu, turno, no âmbito do
processo penal existem princípios próprios que, por vezes, suplantam o conteúdo
legal. Assim, a título ilustrativo podemos destacar que a Constituição Federal,
hierarquicamente superior as demais normas do ordenamento jurídico pátrio,
abriga em seu bojo o princípio da dignidade da pessoa humana considerado como
cátedra basilar do Estado Democrático de Direito em que se vive.
E ainda, que os princípios
constitucionais compõem um sistema próprio dotado de lógica e
autorregulamentação, por sua vez existem também os princípios processuais, que
devem ser interpretados à luz da Constituição Federal de 1988. Razão pela qual,
é preciso haver a integração entre os princípios constitucionais e processuais.
Em se tratando do direito processual penal, ganham relevância princípios como:
a dignidade humana, a presunção de inocência, o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa, dentre outros.
De se esclarecer ainda que as
sanções decorrentes do processo penal devem ser aplicadas em conformidade com a
gravidade do ilícito cometido e com estrita observância a legalidade e a
dignidade do réu. E é, exatamente a legalidade garante ao réu que sua possível
punição será o resultado do enfrentamento do devido processo legal com a
oportunidade para o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Nesse diapasão, o princípio
da presunção de inocência garante que ninguém será considerado culpado em
momento anterior ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Isso
significa que o Estado Juiz deverá confirmar a culpa do réu e, caso não haja
ordem judicial devidamente fundamentada, o réu deverá responder ao processo em
liberdade. Coadunando com esse entendimento, a jurisprudência do Tribunal de
Justiça de Alagoas preleciona que: “a prisão antes de uma condenação definitiva
não representa ofensa ao princípio da presunção de inocência. Prisão cautelar
devidamente fundamentada na necessidade de garantir a ordem pública,
demonstrada a gravidade concreta do ilícito imputado ao ora paciente”. (HC
800605-57.2015.8.02.0000 – TJAL).
Deste modo, o princípio da presunção inocência tem
por primazia a proteção da figura do réu sem, contudo, afastar a incidência da
constitucionalidade das medidas cautelares, incluindo em seu rol a prisão. O
que não é aceitável é que o réu sofra em cárcere os efeitos antecipatórios de
uma eventual condenação a prisão. Por seu turno o princípio do nemo tenetur
se detegere se impõem como uma espécie de imunidade a autoacusação, pois
ninguém é obrigado a produzir provas contra si. Conforme se afere nas lições de
Nucci (2014, p. 25) tratado da forma a seguir delineada:
Trata-se
de decorrência natural da conjugação dos princípios constitucionais da
presunção de inocência (art. 5.º, LVII) e ampla defesa (art. 5.º, LV) com o
direito humano fundamental que permite ao réu manter-se calado (art. 5.º,
LXIII). Se o indivíduo é inocente, até que seja provada sua culpa, possuindo o
direito de produzir amplamente prova em seu favor, bem como se pode permanecer
em silêncio sem qualquer tipo de prejuízo à sua situação processual, é mais do
que óbvio não estar obrigado, em hipótese alguma, a produzir prova contra si
mesmo. O Estado é a parte mais forte na persecução penal, possuindo agentes e
instrumentos aptos a buscar e descobrir provas contra o agente da infração
penal, prescindindo, pois, de sua colaboração. Seria a admissão de falência de
seu aparato e fraqueza de suas autoridades se dependesse do suspeito para
colher elementos suficiente a sustentar a ação penal.
A ampla defesa e o
contraditório são direitos a ser exercido exclusivamente pelo réu, uma vez que
a apresentação da defesa traz equilíbrio e a paridade de atuação (acusação versus
defesa) ao processo. Contudo, o berço da ação penal é o inquérito policial
que tem por finalidade maior a busca da verdade real no que toca a descoberta
da autoria e da materialidade dos crimes. Desse modo, a fase inquisitorial deve
estrita observância ao que determina a legalidade. Do contrário, o que se tem
são práticas abusivas ou ilegais que, a depender da gravidade, poderá ensejar a
nulidade dos atos praticados prejudicando o andamento das investigações ou da
fase processual. Esse debate é um terreno fértil para análise da legalidade do
uso recorrente de mandados de condução coercitiva para que os investigados
sejam levados para prestar informações, tendo que enfrentar o constrangimento
do cerceamento ainda que breve de sua liberdade de locomoção.
Não se pode negar, contudo, que a segurança,
trata-se de direito coletivo, e portanto, se sobrepõe aos interesses
individuais. Assim, a segurança pública, é um direito de todos os cidadãos e
deve ser provida pelo Estado, por essa razão, as investigações realizadas pela
polícia usufruem de autorização constitucional nos termos ditados pelo § 4º do
artigo 144. Observe-se:
Art. 144. A segurança pública, dever do
Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
[...]
§
4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto às militares
Nesse contexto, sabendo-se
que o mandado de condução coercitiva tem por escopo levar o indivíduo
investigado para a prestação de depoimento ou esclarecimentos relativos a uma
investigação oficial, não há como fugir a alguns questionamentos: ‘conduzir
coercitivamente uma pessoa para prestar informações em uma investigação é
fazê-la produzir prova contra si (nemo tenetur se detegere)?’; ‘qual o
conceito de mandado de condução coercitiva?’; ‘qual a sua natureza jurídica?’;
e ‘a quem pertence à competência para expedi-lo?’. Os tópicos a seguir são
dedicados a discorrer sobre os questionamentos anteriormente esposados.
2.1.1 Condução Coercitiva e o Princípio do Nemo Tenetur se Detegere
Hodiernamente, a expedição de mandados de condução coercitiva tem se
tornado muito comum em operações realizadas pela Polícia Federal. Esse instrumento
também pode ser manjado
pelo Ministério Público e por ordem judicial, que determinam que o indivíduo
seja conduzido coercitivamente, em detrimento de previsões na legislação
alienígena, recepcionada por nossa Carta Magna de 1988, a exemplo do Pacto de
San José da Costa Rica, ao asseverar que implicando em autoincriminação,
ninguém será obrigado a prestar as informações ambicionadas pelos responsáveis
por uma determinada investigação. De forma que a exigência de informações das
autoridades contra o acusado se enquadra na vedação do princípio do nemo tenetur se detegere, isto é,
uma ofensiva contra o direito do investigado em não produzir provas contra si. Note-se
também que a previsão legal autorizadora à expedição de mandado de condução
coercitiva do investigado está disposta na redação do artigo 6º e artigo 260 do
Código de Processo Penal:
Art. 6º Logo que tiver
conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
[...]
IV - Ouvir o ofendido;
V - Ouvir o indiciado, com
observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII,
deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que
lhe tenham ouvido a leitura;
[...]
Art. 260. Se o acusado não atender à
intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem
ele, não se possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua
presença.
Parágrafo
único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados
no art. 352, no que lhe for aplicável.
Importante destacar que no
conteúdo do mandado deverá constar a identificação do magistrado competente, o
nome e o endereço do individuo a ser ouvido, bem como o local, data e horário
que este deverá comparecer. O primeiro problema a ser enfrentado diz respeito a
recepção dessa norma pela Constituição Federal de 1988. Não se pode olvidar que
a norma processual penal passou a vigorar no ano de 1942. Essa informação é
importante, pois atualmente, as normas ordinárias devem ser lidas e
interpretadas à luz do que determina as normas constitucionais. Essa tendência
interpretativa deriva dos movimentos jurídicos modernos chamados de
constitucionalismo e de neoconstitucionalismo. Explicando o constitucionalismo,
Ferreira Filho (2012, p. 33) dita que: “Esse visa a estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer, governos
moderados, limitados em seus poderes, submetidos a Constituições escritas”.
Aproveitando o tirocínio esboçado, é oportuno
dizer que o Brasil, há quase 3 (três) décadas, superou um regime ditatorial
para alçar o ser humano ao centro do ordenamento jurídico a partir da
consagração do princípio da dignidade da pessoa humana. Desde então, ao homem
foram asseguradas prerrogativas constitucionais que devem ser respeitadas mesmo
que o indivíduo seja investigado ou réu. A criminalidade, embora seja legalmente
reprovada, não é motivação legítima para afastar o manto protetivo da dignidade
que envolve os cidadãos brasileiros. Nesse contexto, deve ser dito que a
Constituição Federal de 1988 fez uma exitosa travessia de um país totalitarista
para uma nação essencialmente democrática, cujos direitos fundamentais passaram
a ser inafastáveis, inalienáveis e inseparáveis da figura humana. Sobre a
matéria Peña de Moraes (2013, p. 529 - 530) esclarece que:
Os
direitos fundamentais são conceituados como direitos subjetivos, assentes no
direito objetivo, positivados no texto constitucional, ou não, com aplicação
nas relações das pessoas com o Estado ou na sociedade. Primeiramente, os
direitos fundamentais são, a um tempo só, categoria especial de direitos
subjetivos e elementos constitutivos do direito objetivo. Na perspectiva
subjetiva, os direitos fundamentais conferem aos titulares a pretensão a que se
adote um determinado comportamento, positivo ou negativo, em respeito à
dignidade da pessoa humana. Na perspectiva objetiva, os direitos fundamentais
compõem a base da ordem jurídica, sendo certa que a afirmação e asseguramento
dos direitos fundamentais é condição de legitimação do Estado de Direito, razão
pela qual “neles unem-se, em relação de complemento e fortalecimento recíproco,
várias camadas de sentido. Ao significado dos direitos fundamentais como
direitos subjetivos básicos do homem corresponde o seu significado como
elementos do direito objetivo da comunidade humana, distintamente acentuados.
A Constituição Federal de 1988 é dotada de caráter libertário,
democrático e analítico com a finalidade de proteger os direitos e garantias
fundamentais inerentes aos cidadãos. No presente, o contexto constitucional
analítico determina que nenhuma interpretação ordinária escape as suas
disposições, uma vez que a leitura moral do direito exige a prévia averiguação
de suas finalidades em consonância com a Magna Carta. No que diz respeito à
força interpretativa a luz da Carta Política de 1988, Queiroz (1990, p. 47)
assevera que:
A Constituição, enquanto norma fundamental que verdadeiramente ‘funda’ e ‘constitui’ a
totalidade do corpo político, que ordena e conforma a totalidade da relação de
vida constitucional, impondo-lhe uma determinada práxis e um determinado método
de conceber. A constituição ‘integra’ e ‘refere’ detentores e destinatários
do poder numa unidade fática e normativa que se lhes impor, irresistivelmente,
como algo de superior.
A aplicação das leis deve ser feita com
parcimônia e ética, pois não se deve aceitar violações ao que determina as
normas de hierarquia superior do ordenamento pátrio, a saber, a Constituição
Federal, posto que, de forma contrária, tem-se a temeridade de que um
instrumento processual, como o mandado de condução coercitiva, utilizado de
forma errônea ou abusiva possa prejudicar o cidadão tornando vulnerável seu
direito liquido e certo a liberdade e a segurança processual. Somando-se a esta
assertiva, o argumento de Mendes (2012, p. 999): explicando que “Ao Poder Judiciário incumbe exercer o último
controle da atividade estatal”. Explicação esta que coaduna-se com o entendimento,
Tavares (2012, p. 1206) oportunamente esclarecendo as funções do Poder
Judiciário:
A
função típica do Poder Judiciário é aquela para a qual foi concebido e
estruturado. Nisso, mister se faz remontar à origem do próprio Direito. Como
acentuava o Ministro MARIO GUIMARÃES: “A função de julgar é tão antiga como a
própria sociedade. Em todo aglomerado humano, por primitivo que seja, o choque
de paixões e de interesses provoca desavenças que hão de ser dirimidas por
alguém.
Como sobredito, as normas
constitucionais abrigam uma abastada gama de direitos que não devem ser
violados, sob pena de retirar do ser humano o fundamento maior deste Estado
Democrático de Direito, a saber, o acesso à justiça, que nas palavras entoadas
pelo Ministro pertencente aos quadros do Superior Tribunal Federal, Luiz Fux,
em seu discurso em comemoração aos 25 (vinte e cinco) anos de vigência da Magna
Carta, no ano de 2013, foi explicado o conceito de justiça: “Justiça não é aquilo que se aprende, é
aquilo que se sente”. Dessa maneira, não é possível que o magistrado, mesmo
que com o objetivo de esclarecer a autoria e a materialidade de crimes,
determine a expedição de mandados de condução coercitiva sem considerar as
disposições constitucionais anteriormente apontadas, com destaque para a
violação constitucional de que o indivíduo não é obrigado a produzir provas
contra si.
Depois de esclarecida a importância de ler as normas
ordinárias considerando as normas constitucionais, deve ser dito que embora a
norma processual penal vigente desde meados da década
de 40 (quarenta) determine a condução coercitiva, sua interpretação não escapa
a Constituição Federal de 1988, que no artigo 5º em seu inciso LXIII, determina
que: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Assim é
garantindo, em norma pátria pertinente a categoria dos direitos fundamentais, a
possibilidade de o indiciado não produzir provas contra si por meio da
manifestação do silêncio omitindo-se de confessar-se culpado.
Considerando a interpretação
do CPP, a luz da Constituição, é notório que o investigado não deve sofrer condução
coercitiva para participar de interrogatório, pois a finalidade desse ato é,
conseguir uma confissão, situação que viola o direito ao silêncio. No mais além
de contraditório, seria dispendioso para o Estado designar todo um aparato
pessoal e estrutural, para receber alguém que, limitar-se-ia a permanecer em
silêncio ante a autoridade que pretendia ouvir seu depoimento e dele extrair
algo elucidativo, para a investigação.
O investigado poderá ser conduzido para a prática de
qualquer ato não protegido pelo direito de não produzir a autoincriminação, bem
como também poderá ser conduzido coercitivamente para realizar um
reconhecimento pessoal, uma vez que esta possibilidade é possível pois tal
diligência não é protegido pelo princípio do nemo tenetur se detegere,
uma vez que não exige nenhum ato ativo por parte do investigado. É ainda possível, a condução coercitiva para que o
investigado em liberdade não promova a destruição de fontes de prova, ou atue
no sentido de sonegar o acesso da investigação a referida fonte de provas. Essa
argumentação é considerada legítima e tem sido utilizada para fundamentar as ordens
judiciais dessa natureza, posto que o direito de não produzir contra si, não confunde
se com a possibilidade de destruição de provas. Neste contexto, a não obrigação
de produzir provas contra si, inerente ao investigado, configura-se apenas na
vedação a autoincriminação que ocorre por comportamentos ativos, tais como:
interrogatório, reconstituição do crime, exame pericial de dosagem alcoólica,
participar de acareação etc.
2.1.2 Conceito de mandado de condução coercitiva
O objetivo do mandado de condução coercitiva é explicado pelo membro do
Ministério Público e professor Renato Brasileiro (online, 2017):
Por meio
desse mandado de condução coercitiva, o investigado (ou acusado) é privado de sua liberdade de locomoção pelo lapso temporal
necessário para ser levado à presença da Polícia Judiciária (ou do Ministério
público) e participar de ato de investigação preliminar (ou ato processual
penal) no qual sua presença seja considerada imprescindível.
Diante o objetivo exposado
acima, pode-se aferir que ainda que por algumas horas, o indivíduo conduzido
coercitivamente, será privado de sua liberdade. Situação essa não condizente com
as autorizações e previsões de privação de liberdade autorizadas pela redação
constitucional e pelas normas de direito processual penal devidamente
recepcionadas pela Constituição Cidadã. Nesse contexto, tem-se que o conduzido
não é objeto de prisão seja na modalidade preventiva ou temporária, ou qualquer
outra modalidade, porém tem sua liberdade de locomoção cerceada. E mesmo que este
se oponha a prestar as informações pretendidas, enfrentará obrigatoriamente o
constrangimento de ser conduzido para uma delegacia para fins de investigação
ou instrução processual penal ou órgão ministerial criminal quando as
investigações forem conduzidas por um promotor de justiça.
2.1.3 Da natureza jurídica do mandado de condução coercitiva
Além das prisões preventiva e temporária, a legislação criminal pátria
abriga 11 (onze) modalidades de medidas cautelares alternativas a prisão que
passaram a integrar o Código de Processo Penal (CPP) a partir de 2011, com a
vigência da Lei nº 12.403/2011, popularmente conhecida como Lei da fiança.
Observemos então o que ditam os artigos 319 e 320 da norma processual penal
citada:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da
prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no
prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a
determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de
novas infrações;
III - proibição de manter contato com
pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado dela permanecer
distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca
quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou
instrução;
V - recolhimento domiciliar no período
noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e
trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função
pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo
receio de sua utilização para a prática de infrações
penais;
VII - internação provisória do acusado nas
hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos
concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver
risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a
admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução
do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem
judicial;
IX - monitoração eletrônica.
[...]
§ 4o A fiança será
aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser
cumulada com outras medidas cautelares.
Art.
320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às
autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional,
intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24
(vinte e quatro) horas.
Conforme pode-se observar, o rol de medidas cautelares
alternativas a prisão é bem extenso, porém em seu conteúdo não consta a condução
coercitiva de natureza processual, que mesmo privando ainda que brevemente o
conduzido de sua liberdade, como já visto anteriormente, tecnicamente esse
procedimento não é considerado como uma prisão. E mais, embora seja constatado o silêncio ou a omissão do legislador
ordinário em incluir a condução coercitiva do investigado no rol medidas
cautelares alternativas a prisão, a doutrina infere ser esse instrumento
processual uma medida cautelar de natureza processual. Nesse sentido o
doutrinador Renato Brasileiro (2014, p. 266) explica que: “Conquanto não
listada no rol das medidas cautelares diversas da prisão dos art. 319 e 320 do
CPP, a condução coercitiva do investigado (ou acusado) também funciona como
medida cautela de coação pessoal”. Isso significa que, esse tipo de condução é
uma medida de natureza urgente que recai sob a liberdade de locomoção pessoal
do conduzido/investigado.
2.1.4 Da competência para a expedição do mandado de
condução coercitiva
Não há como negar a
existência de restrição na liberdade de locomoção do conduzido, essa informação
é importante para que seja compreendida qual a autoridade competente para
expedir esse tipo de ordem judicial. Caso seja comparada com a prisão
preventiva ou temporária pode ser dito que a coerção da liberdade é
indiscutível, mesmo que seja somente pelo tempo necessário a prestação ou não
das informações. Mesmo em condução coercitiva, o conduzido poderá fazer uso de
sua garantia constitucional de permanecer em silêncio. Note-se o que dita a
Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LXIII, já mencionado.
Demais disso, o indiciado ou réu tem direito de
ser advertido quanto ao direito de permanecer em silêncio sem que a adoção
dessa postura importe em prejuízos a sua defesa nos termos explicitados pela
jurisprudência do STF no julgado do habeas corpus nº 107.644/SP: “todas as
pessoas devem ser informadas dos seus Direitos e Garantias Fundamentais, no
momento em que é preso, detido, retido, conduzido ou levado perante qualquer
autoridade judicial, policial, conforme a jurisprudência pátria tem
reiteradamente decidido”. Como pode-se notar, o dispositivo constitucional
apontado não constitui óbice a averiguação da materialidade e da autoria de um
crime, o direito a não autoincriminação é uma decorrência do artigo 8º, inciso
2, alínea ‘g’, da Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San Jose
da Costa Rica da qual o Brasil é signatário desde a vigência do Decreto Lei n.
678/1992, note-se:
Artigo 8. Garantias judiciais
[...]
2. Toda
pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
[...]
g. direito
de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; [...].
O referido dispositivo não
constitui obstáculo à imputação do crime de fuga do condutor do local do
acidente de trânsito, na medida em que os direitos a não autoincriminação e ao
silêncio permanecem incólumes, seguindo igualmente íntegras todas as garantias
processuais e penais asseguradas aos acusados em geral. O tempo de restrição de
liberdade do conduzido é destinado especificamente à necessidade de produção de
provas, por isso, não poderá ser superior a 24 (vinte e quatro) horas, de outra
forma, assumiria injustificadamente o caráter de prisão cautelar. Foi
exatamente a essa situação de brevidade de cerceamento de liberdade a que foi
submetido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ser conduzido de sua
casa para uma das salas do aeroporto de Congonhas em São Paulo e no inicio da
manhã e liberado no período vespertino, do dia 04 de março do ano de 2016.
A competência/atribuição para
a expedição de mandado de condução coercitiva segundo a redação do artigo 260
do CPP, anteriormente citada, deve ser de uma autoridade após o acusado não
atender a intimação prévia para os seguintes atos: interrogatório,
reconhecimento ou qualquer ato que exija sua presença. Deste modo, o CPP, vigente desde a década de
40 (quarenta) faz referência ao termo ‘autoridade’, porém não identifica os
atores que podem ser enquadrados nesse conceito. Diante da redação dúbia do
artigo apontado, ou seja, da omissão em identificar quem seria essa autoridade
é que emergem as controvérsias em relação à matéria.
Contudo, o artigo 352 mencionado no parágrafo
único do artigo 260, ambos do CPP diz que o mandado deve conter o nome do juiz.
Leia-se: “Art. 352. O mandado de citação indicará: I – o nome do juiz [...]”.
Bom é chamar a atenção para o fato de que o mandado tratado no artigo 352 do
CPP é de citação, e o mandado de condução coercitiva não é necessariamente para
cumprir o ato de citação. Posto que, conforme a jurisprudência emanada da 1ª
Turma do STF, de forma isolada, na oportunidade do julgamento do HC 107.644/SP,
criou precedente ao determinar que o investigado pode ser levado a presença da
autoridade policial para prestar esclarecimentos necessários a investigação. O
julgado em comento foi fundamentado a luz do artigo 6º do CPP e o artigo 144,
§4º da Constituição Federal:
HC
107.644/SP. EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO
DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE.
[...]. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. [...]. I
– A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias
civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo
Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela
autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas
dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o
comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as
providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução
de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e
constitucionais dos conduzidos. [...] XII – Ordem denegada. Brasília, 6 de
setembro de 2011. RICARDO LEWANDOWSKI – RELATOR.
Por seu turno a condução coercitiva narrada no habeas corpus supracitado não foi
considerada causa de nulidade, e as informações prestadas foram aceitas como idôneas.
Com isso a 1ª Turma do STF reconheceu que a polícia civil exerce a função
investigativa e que, por isso, não existe reserva de jurisdição em relação aos
incisos LXI e LXII, ambos do artigo 5º da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º [...]
LXI - ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei;
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o
local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à
família do preso ou à pessoa por ele indicada;
[...]
Como denota-se acima, a jurisprudência da 1ª Turma da
Suprema Corte brasileira, ainda que de forma isolada, entendeu na oportunidade
que a autoridade policial poderá conduzir
coercitivamente um investigado mesmo que não haja estado de flagrância ou tenha
sido expedido um mandado de prisão judicial. Nesse contexto, entende-se que embora
o STF desconsidere a violação ao que dita o inciso LXI do artigo 5º da
Constituição Federal, essa decisão confronta o cerceamento de liberdade do
indivíduo, uma vez que a condução coercitiva restringe a liberdade estando
ausentes as motivações que legitimam a prisão.
Com a devida vênia aos Ministros, o julgado apontado não aparenta ser a
melhor medida de direito e de justiça, pois essa orientação não se coaduna com
a liberdade de locomoção garantida também nos termos da Constituição Federal de
1988. A medida mais adequada seria a expedição de mandado judicial de condução
coercitiva, pois em atenção ao que determina o artigo 352 do CPP, no conteúdo
desse tipo de ordem deverá haver a identificação do juiz. Nesse contexto, pode-se concluir que a
autoridade a que faz menção o caput do artigo 260 do CPP é restrita a
figura do magistrado.
Contudo, não se pode olvidar
que a teoria dos poderes implícitos determina que a Constituição Federal deva
outorgar as atribuições ou competências aos órgãos estatais, bem como autorizar
e conferir implicitamente os poderes necessários à sua execução. Assim, sem a
existência de autorização constitucional, a autoridade policial não poderá, sem
ordem judicial, conduzir o investigado para a colheita de informações. Nesse
contexto, é importante fazer a leitura do artigo 260 cumulada com o artigo 282,
ambos do CPP, pois essa norma reforça que as medidas cautelares de coação
pessoal devem ser decretadas por um juiz: “Art. 282. [...] § 2o
as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento
das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da
autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”.
Desta forma, nem a autoridade policial e nem os
agentes policiais detém atribuições para deter, reter, restringir a liberdade,
conduzir coercitivamente, ou prender indivíduos fundados em meras suspeitas,
mesmo que por tempo exíguo sem que haja estado de flagrância ou ordem judicial.
Mesmo que a liberdade seja contida pautada pelo critério da brevidade, não se
pode desprezar o fato de que o magistrado detém competência para analisar a
pertinência da condução coercitiva de forma fundamenta na lei e no lastro
probatório que compõe os elementos de seu livre convencimento sobre a concessão
de tal diligência. Na opinião de Nucci (2014, p. 364) a condução coercitiva na
fase do interrogatório deve ser compreendida da forma que segue citada:
É
admissível, especialmente porque, o réu não tem direito ao silêncio, como
regra, no tocante à sua qualificação. Por isso, o juiz pode determinar que o
acusado seja levado à sua presença para ser qualificado e expressar,
diretamente, o seu desejo de permanecer calado, se for o caso. Entretanto, se o
acusado for conhecido e devidamente qualificado, pode optar por não comparecer,
fazendo valer seu direito ao silêncio, sem a necessidade de qualquer medida
coercitiva para obrigá-lo a ir a juízo.
O §1º do artigo 400 do CPP
concede ao magistrado a possibilidade de negar a produção de provas que
considerar irrelevantes, protelatórias ou impertinentes sem que essa postura
implique em nulidade processual. Nesse ponto é pertinente rememorar que o
Ministério Público pode investigar, porém não poderá ultrapassar os limites das
atribuições policiais, conforme extraído do posicionamento externado no julgamento
do habeas corpus nº 94.173/BA de relatoria do Ministro Celso de Mello no
Supremo Tribunal Federal: “O Ministério Público tem legitimidade para conduzir
investigação e proceder à colheita de elementos de convicção quanto à
materialidade do delito e indícios de sua autoria, sob pena de se inviabilizar
sua função precípua de promover, privativamente, a ação penal pública”.
Todavia, embora seja
reconhecida a atribuição de investigação ao parquet, a este negado o
poder de determinar a condução coercitiva do investigado, pois se trata de
medida sujeita a cláusula de reserva de jurisdição, que por guardar semelhanças
com a prisão preventiva, com a prisão temporária e com as demais medidas
cautelares pessoais, somente poderá ser expedida por autoridade judiciária.
2.1.5 Possibilidade da prática da condução
coercitiva
É importante destacar que para legitimação da
ordem de condução coercitiva se faz necessário que o indiciado se negue a
cumprir voluntariamente a intimação para realização de um ato processual. É o
que se depreende das lições de Nucci (2014, p. 336) ao afirmar que condução
coercitiva é autorizada na hipótese de: “Realizada a intimação e a requisição
no tempo correto, o não comparecimento, sem justificativa plausível, pode
implicar em condução coercitiva, com as demais consequências legais”. Corroborando
com esse entendimento, a orientação jurisprudencial do STJ, expressada no
julgado REsp. n. 346.677/RJ, da lavra do Ministro Fernando Gonçalves, explica
que:
Se
o direito de presença é um desdobramento da autodefesa, a qual é renunciável,
conclui-se que o comparecimento do réu aos atos processuais, em princípio, é um
direito, e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução
coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento, ato
este que não está protegido pelo direito à não autoincriminação. Nem mesmo ao
interrogatório estará o acusado obrigado a comparecer, até mesmo porque a
Constituição Federal lhe assegura o direito ao silêncio. De todo modo, caso o
acusado não compareça à audiência, a presença do defensor será sempre
necessária e obrigatória, seja defensor constituído, defensor público, dativo
ou nomeado para o ato.
Como visto no julgado acima,
é perfeitamente possível que o réu possa se furtar ao dever moral de comparecer
a audiência do julgamento de processo que tramita contra si, contudo, seu
patrono jurídico deve se fazer presente sob pena de nulidade do ato em
decorrência de cerceamento de defesa.
2.2
ANÁLISE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO EX-PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Mais uma vez destaque-se o
caráter acadêmico deste artigo, contudo, não há como fugir ao recente episódio
que motivou tantos debates a respeito do instituto processual da condução
coercitiva, qual seja, o fato de um ex-chefe do Estado Maior, no caso o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter sido conduzido coercitivamente,
conforme foi amplamente divulgado pela imprensa de todo o país, criando assim, considerável
repercussão não apenas no campo político, mas principalmente na seara jurídica.
Nesta hipótese, em relação ao ex-presidente Lula, não seria o caso de
reconhecimento pessoal tendo em vista tratar-se de uma figura pública.
De acordo com a doutrina e a
jurisprudência vista acima, pode-se aferir que na realidade, o ex-presidente,
ou qualquer outro acusado ou investigado, não estaria, como não é obrigado a prestar
depoimentos, por isso, iniciou-se um debate sobre a legalidade do ato de
condução coercitiva a que este foi submetido, uma vez que a justificativa
informada foi que se faz necessária a expedição de mandados de condução
coercitiva quando há uma grande deflagração policial, afim de se preservar a
possível produção de provas indispensáveis a averiguação da autoria e da
materialidade do crime. Deste modo, em relação à condução coercitiva do
ex-presidente Lula teve-se a expedição de mandado da lavra do Juiz Federal de
primeira instância Sérgio Mouro. Sabe-se também que a condição de ex-presidente
dispensa qualquer tipo de foro por prerrogativa de função, por isso, não se faz
necessário a expedição desse tipo de mandado pelo STF, pois nesse caso
aplica-se a regra da atualidade.
Note-se que a decisão
judicial que determinou a condução coercitiva do referido líder político, foi
exarada de forma errônea por flagrante violação ao que dita o artigo 260 do
CPP, anteriormente mencionado, ante a inexistência de prévia negativa de
comparecimento por parte do conduzido, bem como pela falta de intimação e mesmo
do pedido por parte do Órgão do Ministério Público Federal para oitiva do
conduzido. Razão pela qual a lei foi desrespeitada, dando margem a que o ex-presidente
em comento pudesse ser considerado como uma vítima da tirania da justiça. Isso
é o que resulta de Atos judiciais praticados de forma indevida, servindo apenas
para conceder força e popularidade para aquele que deveria ser julgado de forma
negativa pela sociedade.
Como dito anteriormente, o
ex-presidente Lula da Silva é mais que uma figura política, para a população
economicamente mais fragilizada ele significa um símbolo, um modelo a ser
seguido. Alguém que venceu as dificuldades de vida e que, por isso, está
sofrendo uma injustiça por parte dos mais fortes, vítima da opressão política.
Nessas condições, a lei que deve ser o modelo de excelência a ser seguido pelos
representantes do Poder Judiciário, posto que, quando por estes violada, passa
a ser alvo de crítica popular. Neste aspecto é importante destacar que não se
quer aqui defender a inocência ou culpabilidade de qualquer pessoa, mas tão
somente criticar o erro de um magistrado que buscou a popularidade demonstrando
ser um exemplo de conduta ilibada, mas que na realidade, exorbitou de suas
competências para violar os ditames da lei.
É notório, que pela prática
de Atos abusivos põem em dúvida a idoneidade dos processos criminais, bem como
as reais intenções de seus condutores, deste modo, os atos de corrupção investigados
nas ações criminais propostas em face de Luiz Inácio Lula da Silva não devem
ser tratados como uma exceção, mas como uma regra que impera manchando as
ideologias propagadas pelos partidos políticos brasileiros. Não há como fugir à
regra de que a vivência em um Estado Democrático de Direito exige o respeito
irrestrito ao império da lei e o princípio do devido processo legal, o respeito
a esse ideal fomenta nos brasileiros a expectativa de dias melhores.
3 CONCLUSÃO
Como visto, a condução coercitiva é um instrumento
jurídico apto a colheita de provas, porém sua
utilização é condicionada ao que dita à norma penal de regência, nesse caso,
especificamente, a redação exarada no artigo 260 do Código de Processo Penal.
Além disso, é preciso que em momento prévio a esse tipo de condução, a pessoa a
ser ouvida tenha, sem motivação legal, se negado a comparecer ao chamamento
judicial feito por meio de intimação válida. Ademais, o indivíduo a ser
oitivado deve ser advertido de que não é obrigado a colaborar com a
investigação criminal ou formação de lastro probatório processual. Portanto,
tem o direito de permanecer em silêncio sem que haja qualquer prejuízo ou
imputação decorrente do seu ato.
Deste modo, caso o oitavado
deseje depor para esclarecer quaisquer dos fatos alvo da investigação ou do
interesse do membro do Ministério Público ou do magistrado, suas informações
devem ser prestadas de forma voluntária e reduzida a termo a ser assinado por
este ao final da audiência. No caso em que for realizada a condução do oitivado
de forma coercitiva sem a devida negatória do comparecimento voluntário após o
cumprimento do ato de intimidação válida se impõe como abuso em razão da
patente violação ao que dita a lei.
Deste modo, é notório o erro
procedimental em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, posto que,
houve clara violação a regra do CPP. Com isso, o ato judicial que deveria ter
sido de um mero interrogatório foi convertido em celeuma jurídica midiática
onde o interesse coletivo cedeu espaço as vaidades de um magistrado que deseja
ser popularizado como defensor da lei e da ordem e por um ex-presidente acusado
de corrupção, que está disposto a usar qualquer falha legal ou judicial para deseja
se vitimizar para fugir ao julgamento social decorrente de suas condutas supostamente
manchadas pela ilicitude.
Para impossibilitar tais práticas é que reforça-se a
ideia de que não cabe ao magistrado criar procedimentos alheios a legislação
vigente, nem mesmo dar interpretação extensiva a norma
penal, com o intuito de viola-la mesmo em nome do que acredita ser para fazer
justiça, por isso não se poderia apoiar o erro da condução coercitiva apontada.
Demais disso, não cabe ao magistrado legislar, pois a atuação do Poder
Judiciário é vinculada ao plano legislativo, ou seja, ao direito posto. Isto
posto, não se pode negar que tal fato dissemina a insegurança jurídica no seio
social, pois se os desmandes de um magistrado de primeiro grau tem força para
constranger um indivíduo presumido inocente por força do ordenamento normativo,
além de sua notória popularidade, o cidadão comum não saberá como agir se for
submetido as garras de membros do Poder Judiciário que se sentem justiceiros e
com direito de agir acima do que ditam as leis.
Mais uma vez, é reiterado que
a presente pesquisa tem caráter cientifico e se propôs a analisar uma situação
jurídica sem ter o compromisso de defender qualquer indivíduo alvo de
investigação criminal, a crítica justaposta se limita a violação do CPP. Devendo
ainda ser dito, que em relação ao caso concreto abordado tem-se um notório erro,
conforme apontado anteriormente. Portanto, seus efeitos devem ser considerados
nulos de pleno direito. Por fim, resta consignar que para que se alcance a virtuosa
justiça, antes das externação das vaidades se faz imperioso a observância e o
cumprimento das leis.
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