Recentemente
o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, citou vários municípios
cearenses, a se manifestarem sobre acumulo de cargos e incompatibilidade de cargas
horárias de vários de seus servidores. No caso de Maracanaú, por exemplo foram
mais ou menos 800 envolvendo formas diversas de nomeação e provimento, bem como
vínculos distintos de cargos, funções ou empregos, na iniciativa pública e/ou
privada.
Sobre
esta citação, inicialmente o município, através da secretaria de recursos
humanos, identificou que a lista usada como parâmetro pelo TCE-CE, refere-se a 2016,
portanto, ao ser confrontada com a atual lista de servidores, muitos já não
mais faziam parte do quadro funcional da prefeitura, que tem 60 dias contados
do recebimento para enviar um relatório detalhado sobre a situação atual àquela
Corte de Contas.
Quanto
ao mérito, tem-se por certo que alguns servidores, seja por desconhecimento ou
má-fé, estão em desacordo com os preceitos constitucionais, seja, por
acumulação ilegal de cargos, ou por incompatibilidade de carga horária, muito
embora todos tenham oportunidade de não incorrer nesta ilicitude no momento da
nomeação, quando assinam documento declarando não está acumulando de forma indevida
cargos, ou funções. Já
no caso específico de Maracanaú, todos os servidores ocupantes de cargo efetivo,
tiveram nova chance de corrigir eventuais omissões durante a realização do senso
previdenciário no primeiro semestre de 2017, quando lhes foi perguntado se
tinham outra ocupação.
Deste
modo, aqueles que não declararam ou optaram no momento oportuno e preferiram ficar
silentes ante a irregularidade, terão nova oportunidade de fazer as devidas
adequações legais, caso contrário, identificados os ilícitos, serão abertos os
respectivos Processos Administrativos Disciplinar, e comprovadas as irregularidades,
haverá exoneração imediata, inclusive com a possibilidade de devolução dos
valores recebidos ao erário, nos casos em que se comprove má-fé, ou a
incompatibilidade de horários, que poderá ser enquadrada no enriquecimento sem
causa, já que o agente recebeu por um serviço que não prestou.
Observe
que a Constituição Federal disciplina tanto o acumulo de cargos, quanto a
incompatibilidade de jornada. Sendo que estas duas condicionantes, estão intrinsecamente
ligadas, portanto, devem ser observadas, haja vista que mesmo os casos de
acumulo de cargos permitidos pela Carta Magna, somente podem ser autorizados,
se houver, compatibilidade de horários. É o que se observa da leitura dos comandos
constitucionais dispostos nos arts. 37, XVI e 7º, XIII, a seguir:
Art.
37...
(...)
XVI
- é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto,
quando houver compatibilidade de horários observado em qualquer caso o
disposto no inciso XI:
a) a
de dois cargos de professor;
b)
a de um cargo de
professor com outro técnico ou científico;
c) a
de dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Art.
7º....
(...)
XIII
duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada
a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção
coletiva de trabalho.
Conforme
deu para perceber na leitura dos dispositivos constitucionais acima, a regra é
clara. O servidor público somente pode acumular cargos nas condições acima,
qual seja: dois cargos (duas matriculas) de professor. Um cargo de professor e
outro de técnico ou científico. Notem que aqui também é dois cargos, então poderá
ser cumulado um cargo de professor com um de técnico, ou um de professor com
outro cientifico e não um professor com um técnico e mais um científico. Neste
caso até aqui todos os cargos permitidos acumulo são de nível superior.
A
única exceção quanto ao nível de escolaridade, encontra-se na alínea “c”, que
anteriormente com a redação da Emenda Constitucional nº 19/1998, tratava de
dois cargos privativos de médicos posteriormente a Emenda Constitucional nº
34/2001, lhe deu nova redação passando a autorizar dois cargos ou empregos
privativos de profissionais de saúde. Com isso cargos ou empregos exclusivos de
profissionais de saúde, independente do nível de formação poderão também
acumular, desde suas profissões sejam regulamentadas (ver CBO - Cadastro
Brasileiro de Ocupações e também que não exceda a dois empregos.
Convém
esclarecer que mesmo aquelas acumulações permitidas pela Constituição, somente
serão possíveis se houver compatibilidade de horários. De sorte que se por
exemplo um técnico de enfermagem, que é um profissional de saúde, possui uma
outra ocupação de vigilante ou de agente administrativo, por exemplo, ainda que
um no serviço público e outro na iniciativa privada, não lhe será permitido
acumular, haja vista que nem o vigilante, nem o agente administrativo, são
profissionais da área de saúde.
Portanto,
quando a Constituição Federal estabelece como limite para a jornada de
trabalho, 44 horas semanais, significa dizer que estas 44, devem ser divididas
no máximo em dois empregos. Assim não poderá por exemplo um servidor público
nomeado para 44 horas semanais, conseguir outro emprego com carga horária de 44
horas ou mesmo de 20 horas. Ou seja, os cargos não podem passar de dois e as
horas não poderão exceder a 44 distribuídos nestes dois empregos, obedecendo em
todo caso o comando constitucional que limita a dois cargos.
Contudo, uma parcela dos doutrinadores e da jurisprudência,
defendem que de acordo com o art. 66 c/c art. 71 da CLT, a jornada para os
trabalhadores da iniciativa privada é de 60h semanais, uma vez que estes
dispositivos estabelecem descanso
mínimo diário de 11 horas e uma hora de intervalo para descanso ou alimentação. Assim, como um
dia tem 24h e os intervalos previsto totalizam 12h, sobram então 12h diárias que
ao serem distribuídas na semana - segunda a sexta - (12hx 5dias=60h/s) somam exatas
de trabalho 60 horas semanais.
Já na administração pública federal a implementação
se deu por orientação da AGU - Advocacia-Geral da União (Parecer GQ-145/98) do
TCU -Tribunal de Contas da União - Acórdão 2.247/07, que passaram a exigir
o cumprimento das 60 horas no âmbito federal. Ressalte-se que tal situação se
deu, mesmo o comando constitucional não cite majoração de carga horárias,
permitindo apenas redução, por meio de acordo ou convenção coletiva de
trabalho.
De
sorte que qualquer variação majorada do que foi ali estabelecido, advém de decisões
judiciais e outros mecanismos similares, a exemplo da orientação emanada
através do Parecer nº GQ-145 de16/03/1998 e Parecer nº AC-054 de 27/09/2006, ambos da Advocacia Geral da União - AGU, que tratando da
matéria acumulabilidade, estabeleceu o limite máximo de jornada semanal de
60 (sessenta) horas aos servidores públicos.
Para
a AGU a limitação de horas da jornada de trabalho, não deve fiar-se apenas nos
critérios objetivos, posto que segundo eles não seria o bastante para sustentar
a acumulabilidade de cargos públicos, já que tal acumulação deve ser verificada
em cada caso concreto e a constatação de sua licitude ou não, vai além da compatibilidade de horários, deve-se
se comprovar se há prejuízos para saúde física e mental do trabalhador, bem
como para a prestação de serviço que se propõe a realizar.
O
Judiciário por sua vez não aceita a limitação de 60 horas como sendo um
obstáculo, por si só, suficiente para descaracterizar uma acumulação de cargos
como sendo lícita. Ou seja, para o Judiciário ao tratar da acumulação, a única
exigência da Constituição Federal é a compatibilidade de horários, inexistindo
uma limitação objetiva de carga horária a ser cumprida. De modo que mesmo que um
servidor que esteja no rol das profissões que seja permitida a acumulação, por
exemplo, tenha jornada semanal superior a 60 horas, isso por si só, não poderia
configura-se em um acumulo ilegal pois a compatibilidade deveria ser
demonstrada no caso concreto, confrontando os horários e locais de trabalho de
cada vínculo empregatício.
Ocorre
que ao meu sentir, sempre que se falar de acumulação ilegal de cargos e
incompatibilidade de carga horária, deve-se fazê-lo, por meio da análise
conjunta dos comandos constitucionais insculpidos no art. 37, XVI c/c art. 7º, XIII, haja vista que os mesmos
são taxativos em quantificar em dois cargos a permissão de acumulação (art. 37,
XVI, a, b, c) , vinculando-o a compatibilidade de jornada, a qual é estabelecida
em 44 horas semanais (art. 7º, XIII) sendo a única exceção prevista, a minoração,
por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Por
fim, é certo afirmar que o legislador constituinte ao estabelecer a vedação de
acumulo de cargos, além de dois, condicionados a compatibilidade de jornada, também
fixada na Carta Magna, preocupou-se, não apenas em preservar a sanidade física
e mental dos servidores, mas principalmente, a boa qualidade na prestação de
serviço aos usuários dos serviços públicos nas suas mais variadas modalidades, tendo
em vista que a estes que são os verdadeiros patrões devesse-lhes reservar a
excelência e a primazia no atendimento.
Ao
meu sentir, as más condições de salário, somada a necessidade constante de se
obter cada vez mais e mais dinheiro, seja, para manter um alto padrão de vida,
ou apenas para subsistir com o mínimo de dignidade, tem levado muitos
servidores públicos, pelo caminho da acumulação ilegal o que também gera a
incompatibilidade de jornada. Como resultado de tudo isso, temos servidores
cansados, estressados, relapsos, doentes e que vivem de atestado ou licença
médica, implicando direta e negativamente na qualidade dos serviços prestados, refletindo
também na péssima imagem que os cidadãos têm atualmente desta classe chamada
servidor público, sejam eles municipais, estaduais, ou federal, do executivo,
do legislativo e do judiciário.